2112



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2112

I. Overture (4:32)

"And the meek shall inherit the earth."

II. Temples of Syrinx (2:13)

... "The massive grey walls of the Temples rise from the heart of every Federation city. I have always been awed by them, to think that every single facet of every life is regulated and directed from within! Our books, our music, our work and play are all looked after by the benevolent wisdom of the priests..."

We've taken care of everything
The words you read
The songs you sing
The pictures that give pleasure
To your eye

One for all and all for one
Work together
Common sons
Never need to wonder
How or why

We are the Priests
Of the Temples of Syrinx
Our great computers
Fill the hallowed halls
We are the Priests
Of the Temples of Syrinx
All the gifts of life
Are held within our walls

Look around this world we made
Equality
Our stock in trade
Come and join the Brotherhood
Of Man
What a nice contented world
Let the banners
Be unfurled
Hold the Red Star proudly
High in hand

III. Discovery (3:29)

... "Behind my beloved waterfall, in the little room that was hidden beneath the cave, I found it. I brushed away the dust of the years, and picked it up, holding it reverently in my hands. I had no idea what it might be, but it was beautiful" ...
... "I learned to lay my fingers across the wires, and to turn the keys to make them sound differently. As I struck the wires with my other hand, I produced my first harmonious sounds, and soon my own music! How different it could be from the music of the Temples! I can't wait to tell the priests about it! ..."


What can this strange device be?
When I touch it, it gives forth a sound
It's got wires that vibrate, and give music
What can this thing be that I found?

See how it sings like a sad heart
And joyously screams out its pain
Sounds that build high like a mountain
Or notes that fall gently, like rain

I can't wait to share this new wonder
The people will all see its light
Let them all make their own music
The Priests praise my name on this night

IV. Presentation (3:42)

... "In the sudden silence as I finished playing, I looked up to a circle of grim, expressionless faces. Father Brown rose to his feet, and his somnolent voice echoed throughout the silent Temple Hall." ...
... "Instead of the grateful joy that I expected, they were words of quiet rejection! Instead of praise, sullen dismissal. I watched in shock and horror as Father Brown ground my precious instrument to splinters beneath his feet..."


I know it's most unusual
To come before you so
But I've found an ancient miracle
I thought that you should know

Listen to my music
And hear what it can do
There's something here as strong as life
I know that it will reach you

The Priests:

Yes we know
It's nothing new
It's just a waste of time
We have no need for ancient ways
The world is doing fine
Another toy
That helped destroy
The elder race of man
Forget about your silly whim
It doesn't fit the plan

I can't believe you're saying
These things just can't be true
Our world could use this beauty
Just think what we might do

Listen to my music
And hear what it can do
There's something here as strong as life
I know that it will reach you

The Priests:

Don't annoy us further
We have our work to do
Just think about the average
What use have they for you?

V. Oracle: The Dream (2:00)

... "I guess it was a dream, but even now it all seems so vivid to me. Clearly yet I see the beckoning hand of the oracle as he stood at the summit of the staircase" ...
... "I see still the incredible beauty of the sculptured cities and the pure spirit of man revealed in the lives and works of this world. I was overwhelmed by both wonder and understanding as I saw a completely different way to life, a way that had been crushed by the Federation long ago. I saw now how meaningless life had become with the loss of all these things ..."


I wandered home though silent streets
And fell into a fitful sleep
Escape to realms beyond the night
Dream - can't you show me light

I stand atop a spiral stair
An oracle confronts me there
He leads me on, light years away
Through astral nights, galactic days

I see the works of gifted hands
Grace this strange and wondrous land
I see the hand of man arise
With hungry mind and open eyes

They left our planets long ago
The elder race still learn and grow
Their power grows with purpose strong
To claim the home, where they belong

Home, to tear the Temples down...
Home, to change-

VI. Soliloquy (2:21)

... "I have not left this cave for days now, it has become my last refuge in my total despair. I have only the music of the waterfall to comfort me now. I can no longer live under the control of the Federation, but there is no other place to go. My last hope is that with my death I may pass into the world of my dream, and know peace at last."


The sleep is still in my eyes
The dream is still in my head
I heave a sigh, and sadly smile
And lie a while in bed

I wish that it might come to pass
Not fade like all my dreams
Just think of what my life might be
In a world like I have seen

I don't think I can carry on
This cold and empty life
My spirits are low in the depths of despair
My lifeblood
Spills over..

VII. The Grand Finale (2:14)

Attention all Planets of the Solar Federation
Attention all Planets of the Solar Federation
Attention all Planets of the Solar Federation
We have assumed control
We have assumed control
We have assumed control
2112

I. Abertura

"E os mansos herdarão a terra".

II. Templos de Syrinx (2:13)

... "As muralhas maciças cinzentas dos Templos se erguem do coração de cada cidade da Federação. Sempre me senti intimidado por elas, e pensar que cada atividade de cada vida é dirigida a partir de seu interior! Nossos livros, nossa música, nosso trabalho e lazer são cuidados pela sabedoria benevolente dos sacerdotes..."

Tomamos conta de tudo
Das palavras que você lê
Das canções que você canta
Das pinturas que trazem prazer
Aos seus olhos

Um por todos e todos por um
Trabalhamos juntos
Filhos comuns
Nunca precisam perguntar
Como ou porquê

Nós somos os Sacerdotes
Dos Templos de Syrinx
Nossos grandes computadores
Preenchem os salões sagrados
Nós somos os Sacerdotes
Dos Templos de Syrinx
Todos os dons da vida
São mantidos dentro de nossas muralhas

Olhe ao redor desse mundo que fizemos
Igualdade
Nossa especialidade
Venha se juntar à Irmandade
Dos Homens
Que mundo lindo e feliz
Deixem as bandeiras
Serem desfraldadas
Segurem a Estrela Vermelha com orgulho
No alto com as mãos

III. Descoberta

... "Atrás da minha amada cachoeira, no pequeno espaço escondido sob a caverna, eu a encontrei. Esfreguei a poeira de anos, e a tomei, segurando-a reverentemente em minhas mãos. Não tinha ideia do que poderia ser, mas era linda" ...
... "Aprendi acomodar meus dedos nas cordas, e girar as chaves para fazer com que soassem diferentemente. Enquanto batia nas cordas com minha outra mão, produzi meu primeiro som harmonioso, e logo minha própria música! Quão diferente poderia ser da música dos Templos! Mal posso esperar para contar aos Sacerdotes! ..."


O que pode ser esse estranho dispositivo?
Quando o toco, ele emite um som
Ele tem cordas que vibram, e gera música
O que será essa coisa que encontrei?

Veja como canta como um coração triste
E alegremente grita sua dor
Sons que se levantam altos como uma montanha
Ou notas que caem suavemente, como chuva

Mal posso esperar para compartilhar essa nova maravilha
Todas as pessoas verão sua luz
Vamos todos fazer nossa própria música
Os Sacerdotes louvarão meu nome essa noite

IV. Apresentação

... "No silêncio repentino, assim que terminei de tocar, olhei para um círculo sombrio, rostos sem expressão. Padre Brown ficou de pé, e sua voz sonolenta ecoou pelo silencioso Salão do Templo."...
... "Ao invés do alegre agradecimento que eu esperava, houve palavras de calma rejeição! Ao invés de elogios, destituição carrancuda. Assisti chocado e horrorizado quando Padre Brown afundou meu precioso instrumento em pedaços sob seus pés..."


Sei que é bem incomum
Vir perante vocês dessa forma
Mas encontrei um antigo milagre
Achei que vocês deveriam saber

Ouçam minha música
E escutem o que ela pode fazer
Há algo aqui tão forte quanto a vida
Sei que alcançará vocês

Os Sacerdotes:

Sim conhecemos
Não é nada novo
É apenas um desperdício de tempo
Não precisamos de coisas antigas
O mundo está indo bem
Outro brinquedo
Que ajudou a destruir
A antiga raça humana
Esqueça sua tola fantasia
Ela não se encaixa no plano

Não posso acreditar no que estão dizendo
Essas coisas não podem ser verdade
Nosso mundo poderia usar essa beleza
Basta pensar no que poderíamos fazer

Ouçam minha música
E escutem o que ela pode fazer
Há algo aqui tão forte quanto a vida
Sei que alcançará vocês

Os Sacerdotes:

Não nos incomode mais
Temos nosso trabalho a fazer
Pense nos resultados
Que utilidade eles têm para você?

V. Oráculo: O Sonho

... "Acho que foi um sonho, mas mesmo agora tudo parece tão nítido para mim. Ainda vejo claramente a mão do oráculo acenando enquanto estava no topo da escadaria" ...
... "Ainda vejo a incrível beleza das cidades esculpidas e o espírito puro do homem manifestado nas vidas e obras desse mundo. Fiquei impressionado tanto com admiração e compreensão quando vi uma forma completamente diferente de vida, algo arrasado pela Federação há muito tempo. Vi agora quão insignificante a vida se tornou com a perda de todas estas coisas ... "


Vaguei para casa por ruas silenciosas
E caí em um sono profundo
Escapei para reinos além da noite
Sonho - não pode me mostrar a luz?

Estou no topo de uma escada espiral
Um oráculo me encontra lá
Ele me leva, a anos-luz de distância
Por noites astrais, dias galácticos

Vejo as obras de mãos talentosas
Adornar essa terra estranha e maravilhosa
Vejo surgir a mão do homem
Com mente faminta e olhos abertos

Eles deixaram nossos planetas há muito tempo
A raça antiga ainda aprende e cresce
Seu poder cresce com um forte propósito
Para reivindicar o lar, a que pertencem

Lar, para despedaçar os Templos...
Lar, para mudar -

VI. Solilóquio

... "Não deixo essa caverna há dias, ela se tornou meu último refúgio no meu desânimo total. Tenho apenas a música da cachoeira para me confortar agora. Não posso mais viver sob o controle da Federação, mas não há outro lugar para ir. Minha última esperança é que, com minha morte, eu possa passar para o mundo dos meus sonhos, conhecendo a paz afinal".

O sono ainda está em meus olhos
O sonho ainda está em minha cabeça
Solto um suspiro, sorrio tristemente
E deito um pouco na cama

Gostaria que isso viesse a acontecer
Que não desaparecesse como todos os meus sonhos
Apenas penso no que minha vida poderia ser
Em um mundo como já vi

Acho que não posso continuar
Com essa vida fria e vazia
Meu espírio está fraco nas profundezas do desespero
Meu sangue
Jorra..

VII. O Grand Finale

Atenção todos os Planetas da Federação Solar
Atenção todos os Planetas da Federação Solar
Atenção todos os Planetas da Federação Solar
Nós assumimos o controle
Nós assumimos o controle
Nós assumimos o controle


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart
Com admiração à genialidade de Ayn Rand


A semente da revolta contra um estado totalitarista em um incrível épico sci-fi

"2112", uma incrível suíte com pouco mais de vinte minutos composta por sete partes, segue a história futurista de um indivíduo anônimo da cidade fictícia de Megadon, após este despertar para alguns elementos estranhos ao seu mundo quando descobre um violão - instrumento desconhecido com o qual poderia produzir sua própria música.

Em sua realidade, pessoas autônomas (cuja criatividade poderia impulsionar o pleno desenvolvimento da sociedade) desapareceram há algumas gerações, sendo conduzidas por um grupo de Sacerdotes que mantém a ordem e a estabilidade a partir de um forte aparato tecnológico. O protagonista se sente desolado após a rejeição do seu esforço em obter a aprovação para que a música pudesse fazer parte da vida novamente e, após um profundo transe, experimenta visões de como os homens viviam no passado - o que lhe desperta encanto, ira e desesperança. Ciente da sua incapacidade de lutar sozinho contra todo o gigantesco sistema, o cidadão comete suicídio num momento de profunda desolação e desespero. Porém, o sonho de restaurar indivíduos que pudessem crescer e prosperar livremente não se extingue - a raça humana mais antiga, que ainda não havia desaparecido por completo, retorna triunfante, com o conto revelando o caráter de uma vívida parábola: a indústria da música, que sacrifica a criatividade pelo lucro, seria derrotada. Uma das principais essências aqui é a crítica do trio ao negócio, este que geralmente se dispõe a controlar a expressão do artista.

De qualquer forma, o trabalho na canção "2112" relaciona-se intimamente ao romance Anthem, lançado em 1937 pela escritora e filosofa russa Ayn Rand. Nascida em 06 de março de 1905 na cidade de São Petersburgo, Rand passou a viver nos Estados Unidos em 1926, tendo optado por divulgar sua filosofia inicialmente a partir de obras de ficção. Seu trabalho a define como uma das mais intransigentes defensoras não somente da razão contra as várias formas de irracionalismo, mas do indivíduo contra as várias formas de coletivismo (social ou estatal) e da liberdade contra todas as formas de servidão.

Em Anthem, que trouxe inspiração para Neil Peart na composição lírica de "2112", Rand fala sobre um futuro inespecífico quando a humanidade entrava numa nova época de escuridão, resultado dos males da falta de razão, do coletivismo (o estado maior que o indivíduo) e da fraqueza desse tipo de pensamento. Os avanços tecnológicos são cuidadosamente planejados, e o conceito de individualismo completamente eliminado (por exemplo, a palavra "eu" desaparecera das línguas). Como é comum em seu trabalho, Rand traça uma distinção clara entre os valores de igualdade e fraternidade com os de propriedade e individualidade, ilustrando as ameaças à liberdade humana inerentes às noções sociais do altruísmo e da caridade, criando a imagem de um mundo afundado na barbárie através de um sentimento de obrigação social.

"Não sou primariamente uma advogada do capitalismo, mas do egoísmo; e não sou primariamente uma advogada do egoísmo, mas da razão. Se alguém reconhece a supremacia da razão e a aplica consistentemente, tudo mais se segue. Isto - a supremacia da razão - foi, é e será a preocupação primária de meu trabalho, a essência do Objetivismo. A razão na epistemologia leva ao egoísmo na ética, que por sua vez leva ao Capitalismo na política. A estrutura hierárquica não pode ser invertida, nem pode um nível posterior se sustentar sem o fundamental".

"Não podemos lutar contra o coletivismo, a menos que lutemos contra sua base moral: o altruísmo. Não podemos lutar contra o altruísmo, a menos que lutemos contra sua base epistemológica: o irracionalismo. Não podemos lutar contra nada - a menos que lutemos por alguma coisa: e aquilo pelo que devemos lutar é a supremacia da razão, e uma visão do homem como ser racional".

Os temas e a narrativa de "2112" estão próximos a Anthem, obra que já havia emprestado o título para a canção de mesmo nome do álbum Fly By Night, de 1975. O livro se desenvolve num cenário distópico no qual é proibido existir sozinho ou pensar em si mesmo. Tal fato se reflete primariamente na linguagem, não havendo a palavra "eu" e sim "nós". O chamado Conselho Mundial (World Council) é a instituição que dita as regras e todas as funções, não devendo haver questionamento do que é instituído pela organização. Não há aqui a vontade individual, apenas a necessidade coletiva de uma sociedade cujo lema afirma, "Somos um em todos e todos em um. Não há indivíduos, apenas um grande NÓS - uno, indivisível e eterno". Dessa forma, as pessoas não dispõem de nomes, e o protagonista chama-se Igualdade (o mesmo nome de todos os outros) seguido do código 7-2521. Ele desejava ser um acadêmico, mas o Conselho das Vocações decidiu que deveria exercer a profissão de varredor de ruas. Mesmo insatisfeito diante da escolha, 7-2521 apenas aceita afirmando, "Que seja feita a vontade de nossos irmãos", como todos fazem. Mas, mesmo com a profissão indo contra o seu desejo, o pecado original não desaparece. Ele ainda consegue cometer os crimes de se apaixonar e de estar sozinho.

Como representado em "2112", o livro se revela como uma ode romântica ao individualismo, representado por um caminho para a liberdade e uma crítica ao coletivismo. Ambos os personagens sofrem com a falta de liberdade criativa numa sociedade que, assim como a Estrela Vermelha da Federação Solar, leva o controle sobre as pessoas ao extremo, eliminando qualquer possibilidade de desenvolvimento individual.

"Nossa canção '2112' foi baseada, por coincidência, nas circunstâncias de uma das histórias de Ayn Rand", explica Peart. "Dessa forma, decidi dar o crédito a ela. Percebi que, conforme a ideia avançava sobre a redescoberta da música criativa no futuro, na história dela era exposta a descoberta da eletricidade num futuro totalitário. Não me propus a adaptar sua ideia num formato musical mas, com o desenvolvimento do conto em '2112', percebi um paralelo com as circunstâncias de sua história".

"Quando estávamos em busca de um nome para nosso selo, passamos por todos os títulos de músicas e pelo dicionário. É realmente difícil encontrar o título de algo que você sabe que terá que carregar pelo resto da sua vida. 'Anthem' parecia uma declaração concisa e positiva daquilo que queríamos alcançar".

"A ideia de Neil para '2112' foi o ponto de partida para todo o disco"
, diz Geddy. "Ele escreveu a história baseada em Anthem de Ayn Rand - uma história de ficção cientifica anti-totalitária. Neil e eu havíamos lido outro livro dela, The Fountainhead, que se tornou uma inspiração para nós. Esse traz a história de um arquiteto determinado a não comprometer sua estética e visão, fazendo qualquer coisa (até mesmo tomando posicionamentos radicais) para defender sua arte e o direito de ser um indivíduo. Aqueles volumes falaram a nós enquanto fazíamos 2112, nos dando confiança de certa forma. Sentíamos que estávamos sendo pressionados a comprometer nossa arte. As pessoas não gostam quando classificamos o hard rock ou o prog rock de arte, mas, para nós, como criadores dessa música, essa é a nossa arte".

"2112" é, indiscutivelmente, um dos grandes marcos do avanço na musicalidade e genialidade do Rush. Apesar de se encontrar com o romance randiano, é notável que a canção ecoe outros grandes clássicos da literatura e do cinema, como 1984 (1949), do escritor e jornalista britânico George Orwell (1903 - 1950) e 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968), do também britânico Arthur C. Clarke (1917 - 2008). Porém, Peart credita a gênese do seu interesse por ficção científica a outro autor, o norte-americano Samuel R. Delany. Delany é o autor de The Fall of the Towers (1970), um épico que o baterista encontrou enquanto vivia em Londres, influenciando a composição de "2112" e de outros clássicos vindouros da banda. "Em retrospecto, me lembro do quão maravilhado fiquei com aquele livro em particular - tão poético, repleto de imaginação e originalidade. Acho que o autor está entre os melhores do gênero. Semelhante à maneira como alguns romances e peças de teatro perfuraram minha cabeça naquele momento, sem muito efeito ou influência aparente e imediata, mais tarde eles iriam repercutir de maneiras que eu jamais poderia suspeitar".

"Sabe, essa música veio de um lugar diferente"
, explica Alex. "Ela veio a partir de como as coisas estavam caminhando ao nosso redor. Estávamos revidando. Havia muita pressão sobre nós vinda da gravadora e, até certo ponto, da nossa própria gestão. Eles nos forçavam numa volta às raízes do rock - queriam que fizéssemos um outro álbum como o de estreia. Dessa forma, dissemos basicamente, 'Querem saber? Não é isso que estamos querendo… se vamos cair, cairemos em chamas'".

"Após o fracasso de Caress Of Steel, a gravadora Mercury havia deixado bem claro que estavam desapontados conosco - que não estávamos cumprindo a promessa de sermos uma banda promissora"
, explica Geddy. "Mas tínhamos um contrato e, dessa forma, sabíamos que ficaríamos para mais um álbum que eles tinham que lançar - ainda tínhamos um pouco mais antes de esgotarmos o recipiente por completo. Achávamos que nos descartariam se o próximo disco não se saísse bem - no fundo, acho que estávamos convencidos de que nossas carreiras estavam acabadas, tendo que arrumar empregos 'reais'. Assim, 2112 foi a nossa salvação. Não há dúvidas quanto a isso".

"Sabíamos que a Mercury poderia nos deixar depois desse disco"
, continua Alex. "Mas pensamos: se fizerem isso, pelo menos nos deram uma chance. Tínhamos que fazer um álbum que fosse verdadeiro para nós. Nesse sentido, 2112 foi o verdadeiro nascimento do Rush. E, como Caress Of Steel havia sido mal sucedido, tínhamos que fazer um álbum que chegasse ao que foi 2112".

"Quando se é jovem, é fácil olhar para o mundo como algo formado por caras bons e maus. Achávamos que éramos os caras bons e a gravadora havia se materializado nos caras maus. Uma coisa era certa: não iríamos mudar".

"'2112' é, provavelmente, a coisa mais importante que já escrevi, pois, sem essa música, nós provavelmente não teríamos continuado como banda"
, diz Geddy.

"Começamos a compor essa canção enquanto estávamos na estrada. Escrevíamos muito durante os shows naqueles dias", lembra Alex. "'The Fountain of Lamneth', de Caress of Steel, foi de fato nosso primeiro conceito completo de canção, e '2112' funcionou como uma espécie de extensão dela. Foi um período difícil para o Rush, pois Caress of Steel não foi bem comercialmente, mas estávamos felizes com ele e desejávamos desenvolver aquele estilo. Por haver um sentimento muito negativo da gravadora e por nossa gestão estar preocupada, voltamos com força total em '2112'. Havia muita paixão e raiva naquele disco - tratava-se de uma pessoa de pé contra todas as outras. Utilizei uma Gibson ES-335 e uma Fender Stratocaster, que havia tomado emprestada para as sessões de gravação, pois não podia comprar uma dessas naquele momento. Utilizei um amplificador Marshall 50-watt e um Fender Twin também. Talvez tivesse um Hiwatt no estúdio naquela época, mas acho que ele veio depois. Meus efeitos eram um Maestro Phase Shifter e um bom e velho Echoplex. Havia um número limitado de efeitos disponíveis na época. O Echoplex e um Wah-Wah eram básicos naqueles dias".

"Compomos fragmentos de "2112" enquanto estávamos na turnê Caress Of Steel. Tocávamos os mesmos em passagens de som e em todas as oportunidades que tínhamos. Assim, estávamos bem treinados nela antes de gravarmos. Era sempre desafiador tentar encontrar tempo para fazer essas coisas na estrada, mas estávamos muito motivados".

"Finalizamos a turnê e fomos direto preparar esse disco"
, lembra Geddy. "Ninguém na Mercury sabia o que estávamos fazendo, pois não fizemos demos para a gravadora e para o nosso empresário. Nunca tinha feito isso em toda a minha vida. Desde o primeiro dia, não tivemos ninguém no estúdio conosco além do nosso produtor Terry Brown".

"Fizemos o disco todo em quatro semanas, sendo o tempo mais longo que gastamos em um álbum até então. O primeiro disco, devido à sua regravação, levou aproximadamente uma semana no total. Fly By Night foi gravado em dez dias e Caress Of Steel em três semanas. Assim, 2112 era o nosso disco de maior orçamento".

"Havíamos feito músicas longas antes, mas '2112' foi a primeira vez que fizemos corretamente. Era muito mais poderosa e definida que "The Fountain Of Lamneth". Tornou-se o roteiro de como seguiríamos em frente".

"O importante foi que aprendemos mais sobre como estávamos trabalhando, e o tipo de banda que queríamos ser"
, afirma Alex. "Estávamos nos tornando melhores músicos e compositores. Sabíamos o que estávamos fazendo, e isso é uma vantagem enorme. Assim, você simplesmente faz o que tem que fazer.

"2112 foi o primeiro álbum no qual realmente sentíamos que tínhamos um som identificável".


Ao nomear os implacáveis vigilantes como Sacerdotes, Peart captura também o aspecto da cultura de massa, observando que a música, filmes e televisão evocam seguidores de uma grande seita que produz celebridades industriais que desistem de sua criatividade. "Li e reli Ayn Rand várias vezes, e pela primeira vez há muitos anos. Nessa canção, relaciono suas observações e as minhas com a indústria da música. Lido aqui com a corrupção de espírito, e gosto de sentir que estamos fazendo parte de uma mudança dessa visão".

A iconografia da Estrela Vermelha da Federação Solar denota a supervisão dos Sacerdotes num regime totalitário. Quando Geddy expressa na canção o ponto de vista desses líderes, ele sempre canta com bastante veemência, em um tom alto e agressivo. A filosofia coletivista moralmente intocável não deixa espaço para resistência, contraposta ao jovem protagonista que não dispõe de nenhuma chance de desafio. A suíte, por fim, aniquila a ordem sacerdotal, através de distorções amplificadas que desenham uma implacável invasão e uma consequente tomada de poder.

Ainda pela ótica randiana, "2112" incorpora o símbolo de liberdade e de criatividade no dedilhar de um violão, suavemente representado por Alex Lifeson. Esse encontro é uma tentativa gentil e distinta do individualismo, algo fortemente determinado e que expõe a filosofia do racionalismo libertário de Rand. A mídia especializada em rock, que não havia dado relevante atenção ao Rush nos primeiros discos, nesse momento acaba por tomar conhecimento deles. A banda enfrentou muitas acusações sobre a pregação de visões características da extrema direita, que foram várias vezes desmentidas pelos integrantes (que sempre afirmaram que suas ideias estavam primordialmente relacionadas à liberdade artística e ao estímulo do propósito e da paixão, olhando bem menos para preocupações políticas ou declarações sociais).

"Bem, acho que há várias mensagens sobre os escritos de Ayn Rand que são colocadas por aí", diz Geddy. "Algumas delas falam sobre o individualismo, outras são interpretadas muito mais como uma declaração política de envolvimento não-governamental. Para nós, o ponto sobre o individualismo foi o mais apropriado e influente em termos de compromisso como artistas - sua história em The Fountainhead, em particular, fala do arquiteto que se recusa a comprometer seus valores e sua estética. Quando se é uma banda jovem que está em um meio ganancioso como a indústria musical, há muita pressão sobre você no que tange comprometer sua música para escrever canções de amor de três minutos. Quando você lê um livro desses, ele tem um efeito profundo em termos de reforçar sua crença de que fazer música deve ser a música que você quer fazer, e não a música que outras pessoas querem que você faça para encherem os bolsos. O que quero dizer é que você pode ser Rand Paul, que usará os escritos de Ayn Rand para justificar o corte total de impostos, mas não é dessa merda que estamos falando".

A imagem utilizada como parte do encarte, apelidada de Starman, acabou se tornando o principal símbolo do Rush, assim como o próprio número 2112. A criação foi concebida com base intimamente ligada ao tema, indicando a oposição entre o ser humano, livre e dotado de criatividade representado pelo homem nu, e a mentalidade coletivista, que oprime a individualidade dos sujeitos, representada pela estrela.

"A capa também foi decisiva para a banda", explica Geddy. "O artista gráfico Hugh Syme era um grande amigo. Neil compartilhou todas as letras com ele, e tocamos algumas músicas para ele também. Hugh saiu com tudo aquilo na cabeça, voltando com sua interpretação: a imagem do 'Starman'. Fora a nossa foto horrível na parte de trás da capa, vestidos como kamikazes idiotas de quimono, foi um grande encarte!

"O homem é o herói da história"
, diz Hugh Syme, artista gráfico da banda. "Sua nudez representa apenas uma tradição clássica, expondo a pureza da pessoa e sua criatividade sem a pompa de outros elementos, tais como o vestuário. A estrela vermelha é a estrela da Federação, um dos símbolos do Neil". "A imagem significa o homem contra as massas", continua Peart. "A estrela vermelha simboliza qualquer mentalidade coletivista".

Tive sorte o suficiente de encontrar uma banda que, em primeiro lugar, prestava atenção. Estamos falando de uma banda que estava emergindo em um momento em que outras bandas eram tomadas pela ideia de que deveriam ter um logotipo. Mas todos nós éramos anti-logo. Mesmo o Starman foi um acidente; não tínhamos ideia teria vida própria como aconteceu. Mas desde o começo eu podia sentir que a banda queria fazer cada álbum de maneira diferente, musicalmente e tematicamente. Tive sorte de encontrar um grupo que estava disposto a se desviar do padrão todas as vezes, me permitindo uma grande amplitude para responder a cada álbum como um evento único, sem desenvolver um tipo de estilo como o de Roger Dean para o Yes ou um estilo Phil Travers como o Moody Blues fez, mesmo sendo capas muito legais. Não aderimos a qualquer tipo de modelo.


I. Overture (0:00 - 4:32 / Total: 4:32)

Com "Overture" o Rush inicia a viagem de "2112". Oferecendo um instrumental vigoroso, extremamente produzido e elaborado (rapidamente reconhecido como uma das composições mais marcantes de toda carreira da banda), o primeiro movimento, que mostra de imediato o quanto a música e as incríveis atribuições individuais haviam se desenvolvido, evoca uma espécie de retrospecto de toda a história da derrocada da Federação Solar que será contada a partir dali. O trecho anuncia o tema principal como um todo, expondo movimentos que serão incorporados nos capítulos seguintes "The Temples Of Syrinx", "Presentation", "Oracle: The Dream" e "Soliloquy".

A primeira parte tem início com um som que caracteriza de imediato o cenário sci-fi do épico, criado com um sintetizador ARP Odyssey e um tape-delay Echoplex que, segundo o co-produtor Terry Brown, consistiu na colagem de várias camadas executadas pelo tecladista e também artista gráfico Hugh Syme.

"Em '2112', a peça de vinte minutos, escrevemos todas as partes em sequência, com uma rolando para a próxima", explica Geddy. "A exceção, claro, foi "Overture", que é algo que você sempre faz por último devido à natureza de uma abertura. Você precisa dos temas de todas as outras partes para juntá-las. É o prenúncio daquilo que está por vir – como se fosse o melhor de '2112'.

O termo Overture refere-se à Abertura, uma introdução instrumental de uma peça coral ou dramática que, ao ser desenvolvida durante o século XIX, passou a ser ela própria uma forma de composição. Seu título e estrutura trazem como referência "1812 Overture" ("Abertura Solene Para o Ano de 1812"), uma obra orquestral do compositor romântico russo Pyotr Ilyich Tchaikovsky (1840 - 1893) composta no ano de 1880 para a abertura da Exposição Universal das Artes, realizada em Moscou em 1882. Curiosamente, a obra comemora o fracasso da invasão francesa à Rússia em 1812, e a subsequente devastação do exército imperial de Napoleão Bonaparte.

Porém, a influência Tchaikovsky não se limita somente ao título, à estrutura e à ideia geral de "Overture". É possível acompanhar uma pequena homenagem concreta à obra do compositor aos 4:06, onde Lifeson reproduz um dos trechos mais famosos da peça em sua guitarra, além de outras pequenas similaridades no decorrer da execução.

"Overture" é finalizada com uma frase sutilmente cantada por Lee, após o som de um estrondo bélico devastador: "And the Meek shall inherit the Earth" ("E os mansos herdarão a Terra"). Este trecho consiste na citação da Bíblia encontrada no Livro dos Salmos (capítulo 37, versículo 11) e no Evangelho Segundo Mateus (capítulo 5, versículo 5). A frase foi escolhida como uma espécie de profecia de fechamento da história idealizada por Peart.

O protagonista vive no ano de 2112, inicialmente observando a frieza de Megadon, uma cidade ficcional, refletindo sobre paz estabelecida desde o ano de 2062, quando os planetas sobreviventes de um confronto que definiu o poder nas mãos dos Sacerdotes, foram unidos sob a égide da Estrela Vermelha da Federação Solar. Inicialmente, o personagem acredita em tudo que lhe foi dito, pensando ser inteiramente feliz naquela conjuntura, até encontrar algo que irá modificar toda sua percepção e a própria história.

II. The Temples of Syrinx (4:33 - 6:46 / Total: 2:13)

Tudo o que foi dito vem dos Sacerdotes dos Templos de Syrinx. Esse movimento esboça a figura da implacável entidade que, aliada à fortíssima tecnologia, observa todos os passos de seus liderados. Eles contam com um conjunto elaborado de grandes computadores, onde realizam uma microgestão de cada aspecto da vida em toda Federação. Eles têm orgulho em proclamar que comandam todas as coisas, censurando tanto as palavras que são lidas e cantadas quanto às imagens que são observadas. É interessante observar que a população nunca precisou perguntar sobre o porquê das coisas, tendo em vista a completa afirmação da chamada Irmandade dos Homens. Porém, esse panorama de igualdade é ilusório: os líderes regulam todas as informações disponíveis, algo que em breve se tornará claro, refletindo pouca tolerância para a individualidade e para a criatividade, entendendo esses como atributos que não fazem parte do plano geral político.

Imediatamente somos lançados numa viagem sonora poderosa, onde a história se inicia de fato - a apresentação do mundo oprimido da Federação Solar. Conhecemos, através dos versos de Peart, da musicalidade agressiva exposta pelos instrumentos e pela voz irrepreensível de Geddy Lee, a personificação dos Sacerdotes e as principais características do contexto vivido no ano de 2112, que existe sob um forte domínio totalitário. Esse segmento se encerra como um coração batendo em fúria, num clímax que somente o talento do Rush poderia criar e que magicamente se transforma na próxima parte do conto, através de um sutil violão de nylon.

Na mitologia grega, Syrinx (Siringe) é uma ninfa da água. A palavra refere-se também ao órgão vocal das aves, análoga à laringe em mamíferos. Os Templos são expostos como símbolos de ascensão, refletindo estruturas colossais que se colocam mais prócimas aos deuses e à sua altura. A natureza computadorizada de sistema para os sacerdotes foi um conceito totalmente imaginado por Peart.

III. Discovery (6:47 - 10:15 / Total: 3:29)

Nesse movimento chave escrito por Alex Lifeson e Neil Peart, o protagonista encontra um antigo e sujo violão que irá simbolizar a mudança de toda vida. Numa caverna úmida escondida atrás de uma cachoeira, ele descobre aos poucos como ajustar o antigo e desconhecido instrumento, conseguindo logo após produzir sua própria música. A frase "Quão diferente poderia ser da música dos Templos!" denota que a música ainda existe, porém é utilizada como algo efêmero, padronizado e sem vida. O cidadão anônimo decide levar sua descoberta aos sacerdotes, acreditando que será exaltado por seu achado e pela chance que as pessoas teriam de produzir sua própria arte.

Em "Discovery", Alex Lifeson constrói uma exuberante cena de experimentação, onde é possível visualizar o protagonista descobrindo e aprendendo o instrumento ao som ininterrupto das águas, caracterizando uma belíssima e sofisticada produção. Ele se familiariza aos poucos com os sons e toques, e à medida começa a entender o mecanismo de acordes e padrões estes vão se tornando cada vez mais complexos, ilustrando seu progresso.

"Discovery" apresenta um trabalho maravilhoso que transmite perfeitamente uma descoberta preciosa, e a fabulosa progressão do trecho é marcada por uma acústica magistral, que descreve a cena ao mesmo tempo que incita curiosidade pelo desenrolar dos acontecimentos. Contrastando com o movimento anterior, marcado pela fala agressiva dos Sacerdotes, aqui Geddy Lee consegue evocar com maestria, leveza e muita melodia toda a maravilha, satisfação e ansiedade do jovem protagonista, que compreende o instrumento como o reflexo de uma ardente vida em potencial, sonhando em apresentar seu achado mágico aos líderes da Federação.

IV. Presentation (10:16 - 13:58 / Total: 3:42)

"Presentation", outra composição da qual Geddy Lee não participa, traz uma discussão sensacional entre os Sacerdotes que querem seguir firmes sua realidade opressora e o homem que trouxe uma descoberta até eles. O desempenho vocal de Geddy nesse trecho é simplesmente genial, pois a maneira com que muda o canto ríspido e acusador dos líderes para a fala envergonhada e humilde do descobridor é algo capaz de deixar os ouvintes mais sensíveis completamente hipnotizados.

O cidadão anônimo se coloca à frente dos Sacerdotes, particularmente do Padre Brown (talvez um trocadilho com o coprodutor Terry Brown, tido por toda a equipe como o quarto integrante do grupo), que definitivamente não apresenta a imaginada alegria grata, mas uma rejeição tranquila. Ele diz que não há ali a necessidade de coisas antigas, negando o instrumento como um capricho bobo que não se encaixa nos planos da Federação. Na verdade, o instrumento é classificado como outro brinquedo que ajudou a destruir a antiga raça humana e, perplexo, o protagonista ainda tenta argumentar que o mundo poderia utilizar essa beleza para seu bem-estar e alegria, sugerindo ao líder que imagine as maravilhas que poderiam ser conseguidas através de sua utilização. Por fim, o sacerdote, irredutível em seu posicionamento, pisa no violão destruindo-o, ordenando que o jovem sonhador não lhes incomode mais com o assunto.

Geddy e Alex representam de forma impressionante e alternada as figuras do protagonista, com toques mais suaves, e os sacerdotes, com investidas mais agudas e distorcidas. A canção termina com um solo de guitarra semelhante ao oferecido no segundo movimento, "The Temples of Syrinx", que novamente remete ao âmbito de frieza dos opressores.

V. Oracle: The Dream (13:59 - 15:59 / Total: 2:00)

Guitarras em reverb e uma linha vocal pesarosa evocam essa dimensão envolvente e sonhadora. "Oracle: The Dream" segue de forma elegante e progressiva as emoções que transportam o ouvinte para uma verdadeira viagem ao passado, onde o herói anônimo, após seu encontro aterrador com os Sacerdotes, cai em um sono profundo, tendo um vislumbre (através de uma espécie de portal) dos acontecimentos que desembocaram na opressão presente, além do que ainda estava por vir.

O Oráculo significa a resposta dada por uma divindade a uma questão pessoal através de artes divinatórias. Por extensão, o termo por vezes também designa um intermediário humano consultado que transmite a resposta e até mesmo, no Mundo Antigo, o local que ganhava reputação por distribuir a sabedoria oracular, onde era notada a presença Divina sempre que chamada, passando a ser considerado solo sagrado e previamente preparado para tal prática.

O protagonista vaga pela casa e recebe visões do passado e do futuro. Ele entende se tratar de um sonho, mas as imagens lhe parecem assustadoramente vívidas. Desiludido por compreender finalmente que sua vida não passa de algo vazio e sem significado, o Oráculo lhe mostra como era a realidade antes do domínio majoritário da federação - uma sociedade onde a criatividade e a individualidade floresciam, através de grandes obras que esculpiam beleza pelo puro espírito do homem. Dessa forma, o protagonista compreende que, sem essas dádivas, a vida se tornou algo sem nenhum sentido.

Numa perfeita mudança de humor que evoca intenso lamento, pesar, surpresa e ira, o cidadão anônimo consegue perceber que o homem antigo ainda mantém sua mente faminta e os olhos abertos - eles não foram completamente extintos. A raça antiga não foi destruída, apenas abandonou os planetas da Federação no passado, e o herói entende que um retorno poderia fazer ruir o poder opressor dos Templos.

VI. Soliloquy (16:00 - 18:21 / Total: 2:21)

A palavra Solilóquio denota a conversa de alguém consigo mesmo. Distingue-se do monologo (fala ou discurso por uma única pessoa em teatro ou oratória) porque, embora etimologicamente de igual significado, o Solilóquio represente uma espécie de diálogo do autor com sua alma, com sua consciência.

"Soliloquy" é talvez o segmento mais tocante em "2112". Ele mostra a decisão definitiva do personagem após sua profunda desilusão - a opção pelo suicídio. Peart escreveu letras incríveis durante toda carreira, mas poucas se equivalem às linhas finais deste trecho, que é cantado por Lee com imenso poder e sentimento: "Acho que não posso continuar com essa vida fria e vazia. Meu espírio está fraco nas profundezas do desespero, e meu sangue jorra...".

Novamente com uma grande interpretação lírica de Geddy Lee, que dosa com muita perícia momentos de profunda tristeza e desespero absoluto, o protagonista retorna à caverna, onde é possível ouvir novamente o som calmo das águas envolto por uma melodia de guitarra hipnotizante, local no qual medita por dias. Ele tenta imaginar como seria sua vida no mundo que acabou de vislumbrar no sonho, mudando sua ideia inicial e considerando agora a vida na Federação como fria e vazia, com suas forças se vertendo no mais profundo desespero. Ele decide que, para alcançar o mundo que sonha encontrando a verdadeira paz, ele deve tirar sua própria vida, pois reconhece que sua força é ínfima perante o poder avassalador da Federação e dos Sacerdotes.

VII. The Grand Finale (18:20 - 20:34 / Total: 2:14)

"2112" termina com "Grand Finale", um instrumental intenso e furioso que, como "Overture", mostra um significado enigmático. De imediato, é possível que a Federação e seu governo opressivo tenham sido atacados por outra entidade, deixando o desenrolar dos acontecimentos inteiramente abertos à própria interpretação do ouvinte. Anos mais tarde, Neil Peart confirmou que a intenção sempre foi que a antiga raça humana derrotasse o poder totalitário.

A saga é concluída no formato em que começou, com um instrumental poderoso que assustadoramente afirma a derrota da opressão, enquanto Peart proclama três vezes: "Atenção todos os Planetas da Federação Solar, nós assumimos o controle". A primeira frase traz um total de sete palavras, e a segunda quatro. Numa multiplicação simples, percebe-se 7 x 3 = 21 e 4 x 3 = 12, a representação do ano da vitória.

O Grande Final na verdade exala um recomeço, através de tomadas musicais até então inéditas em toda peça, construídas em uma dinâmica aterradora e completamente genial. A banda, portanto, conseguia alcançar na história sua sonhada independência criativa. Um encerramento perfeito de uma criação artística memorável, repleta de significados e símbolos que confundem ficção e vivência real.

© 2014 Rush Fã-Clube Brasil

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