COLD FIRE



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COLD FIRE

It was long after midnight
When we got to unconditional love
She said sure, my heart is boundless
But don't push my limits too far

I said if love was so transcendant
I don't understand these boundaries
She said just don't disappoint me -
You know how complex women are
I'll be around
If you don't let me down
Too far

It was just before sunrise
When we started on traditional roles
She said sure I'll be your partner
But don't make too many demands

I said if love has these conditions
I don't understand those songs you love
She said this is not a love song
This isn't fantasy-land
I'll be around
If you don't push me down
Too far

DON'T GO TOO FAR -
The phosphorescent wave on a tropical sea
Is a cold fire
DON'T CROSS THE LINE -
The pattern of moonlight on the bedroom floor
Is a cold fire
DON'T LET ME DOWN -
The flame at the heart of a pawnbroker's diamond
Is a cold fire
DON'T BREAK THE SPELL -
The look in your eyes as you head for the door
Is a cold fire

Love is blind if you are gentle
Love can turn to a long, cold burn
FOGO FRIO

Foi bem depois da meia-noite
Quando chegamos ao amor incondicional
Ela disse sim, meu coração não tem fronteiras
Mas não force demais meus limites

Eu disse que se o amor era tão transcendente
Não sei o porquê dessas divisões
Ela disse apenas não me desaponte -
Você sabe como as mulheres são complexas
Estarei por perto
Se você não me decepcionar
Demais

Foi um pouco antes do nascer do sol
Quando começamos nos papéis tradicionais
Ela disse sim, serei sua parceira
Mas não faça muitas exigências

Eu disse que se o amor tem essas condições
Não sei o porquê dessas canções que você ama
Ela disse isso não é uma canção de amor
Isso não é a terra da fantasia
Estarei por perto
Se você não me deprimir
Demais

NÃO VÁ MUITO LONGE -
A onda fosforescente em um mar tropical
É um fogo frio
NÃO CRUZE A LINHA -
O padrão do luar no chão do quarto
É um fogo frio
NÃO ME DESAPONTE -
A chama no coração de um penhorista de diamantes
É um fogo frio
NÃO QUEBRE O ENCANTO -
Seu olhar enquanto você se dirige à porta
É um fogo frio

O amor é cego se você for gentil
O amor pode se tornar uma longa e fria queimadura


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


O peso da racionalidade nos relacionamentos amorosos

"Cold Fire" é a penúltima faixa de Counterparts. Foi o quarto single lançado para o álbum, atingindo a segunda posição no Hot Mainstream Rock Tracks da Billboard em 1994. Trata-se de uma canção com características intensamente melódicas e de forte apelo emocional, na qual a banda mais uma vez se aventura na tarefa de pensar a natureza do amor e suas manifestações. Com uma ótica que se afasta do lugar comum, temos em "Cold Fire" uma peça de significativa importância dentro do vasto rol musical dos canadenses.

Partindo de um riff de guitarra que explode urgente e veloz, o Rush apresenta uma canção rock que mescla potência e sutileza com ares radiofônicos. Passeando por melodias e cativantes, Geddy, Alex e Neil exploram o retrato de um relacionamento amoroso da vida real, mostrando que a banda poderia propor um material próximo ao popular mantendo-se fiel à sua marcante conduta artística. Analogias poéticas. Sensibilidade instrumental. "Cold Fire" expõe um Rush que, até mesmo visitando a simplicidade, soa diferenciado.

"Cold Fire" apresenta diferentes e variados sons de guitarra, geralmente enxutas e muito brilhantes. Além disso, a canção é brindada com um solo bastante emocional e límpido. "É algo no qual venho trabalhando, mais precisamente durante os três ou quatro últimos discos", diz Alex Lifeson. "A maioria dos arpejos vêm contrastando com materiais mais pesados".

"Na verdade, passamos muito tempo com esse solo. Tentei algumas abordagens diferentes e nenhuma delas parecia realmente funcionar. Acabei pegando minha Tele e utilizando-a com uma sonoridade bem limpa. Tocar assim não é um ambiente particularmente confortável para mim, sem utilizar qualquer eco e repetições, sem nada que eu possa manipular. É um mundo bem estranho, mas acho que funcionou para o solo. Achei o mesmo bem honesto - acho que se encaixou na canção".


Com o título vindo do livro The Jitterbug Perfume, concebido pelo escritor norte-americano Tom Robbins em 1984, "Cold Fire" foi uma canção de difícil trabalho, tendo em vista sua temática e formato não usuais se comparados às demais peças do conjunto de produções do trio:

"Reescrevemos essa canção algumas vezes", lembra Geddy Lee. "E, felizmente, creio que Peter Collins [produtor] foi quem realmente reuniu tudo aquilo. Ele veio até nós indicando alguns pontos fortes das versões anteriores que já tínhamos, nos ajudando a organizá-la aos poucos. Acho que não nasceria sem a presença dele, tendo em vista que somente dessa forma conseguimos enfim capturar as sensações para os versos, estes que permitiram ao Alex tocar linhas em steel guitar - é ele quem toca, preparando o terreno para minha abertura harmônica. Eu tinha problemas com os versos, pois se tratava de uma música difícil de lidar devido a questão das relações entre um homem e uma mulher, assunto estranho para trazermos. Você tem que ter a certeza de que não está soando banal ou batido, e que não está fazendo apenas 'mais uma' desse tipo. Quem precisa de outra canção sobre relacionamentos? Demorou um pouco para atingirmos o clima certo, e acabei ficando muito feliz com o formato que conseguimos. Curiosamente, creio que seus versos se tornaram um dos elementos mais fortes em todo o álbum, mesmo que concluí-la tenha sido um pesadelo".

"Realmente, 'Cold Fire' apresentou alguns problemas na composição lírica, a partir do ponto de vista musical. Foi reescrita algumas vezes"
, explica Lifeson. "Acho que, por um lado, ela acabou mostrando um grande equilíbrio das imagens românticas e, por outro, tivemos uma música solidária à letra, que fez surgir uma observação muito mais fria e difícil da realidade. Portanto, temos nela um belo contraste entre letra e música, onde uma sustenta a outra - o que acabou funcionando muito bem, apesar de ser uma composição na qual passamos por uma difícil assimilação de abordagem na busca pelo que sentíamos".

Neil Peart experimenta em "Cold Fire" um romance retratado em dois diálogos, primordialmente narrados por um homem com sua parceira. Seguindo o foco de todas as letras que integram o disco, o baterista visita novamente a temática de dois elementos que, apesar de suas diferenças naturais, se complementam como contrapartes. Nesse caso (uma das representações mais elementares entre todas as canções de Counterparts), temos um casal discutindo dois momentos peculiares de sua relação: quando percebem que estão apaixonados e quando decidem assumir os papéis tradicionais do compromisso. Porém, o elemento mais surpreendente é que Peart apresenta a mulher, historicamente atrelada à imagem do sexo frágil e inconstante, como a representação do equilíbrio e da racionalidade. Ela, geralmente caracterizada como sonhadora e emocional em muitas obras artísticas, se mostra aqui forte, moderna e independente, reconhecendo cinicamente sua complexidade natural e afirmando inclusive que uma relação da vida real jamais refletirá os temas clichês das canções de amor ou da fantasia. O homem, por sua vez, é apresentado como mais imaturo, conservador e até mesmo egoísta - um macho à moda antiga. Com a adição de elementos visuais deslumbrantes, compreendemos que a grandiosidade do nobre sentimento sempre será acompanhada de fragilidades. Em "Cold Fire", o letrista propõe que, para o caminhar duradouro de uma relação amorosa, faz-se imprescindível o respeito, a serenidade, a compreensão e a aceitação das particularidades e individualidades. O calor do amor só sobrevive acompanhado da frieza da razão, funcionando como dois elementos imprescindíveis e que se completam.

"Como em 'Speed of Love', tento falar também sobre o amor em 'Cold Fire' - mas sem fazê-la soar como uma canção de amor", diz Peart. "Tenho aqui uma mulher mostrando para um homem que é mais esperta do que ele. Liricamente, foi um desafio técnico difícil, sendo um tipo de coisa que, depois de todos esses anos, você começa a sentir que tem o dever de assumir. Não me importo em escrever sobre o amor agora, algo que evitei anteriormente devido apenas à minha incapacidade de ir além dos clichês. Aqui, tento abordar o amor como ele realmente é".

"'Cold Fire' é uma das minhas canções mais gratificantes, musicalmente e liricamente. Você acaba adorando músicas por pequenas coisas. Acho que me inspirei em uma obra do Paul Simon, pois queria uma letra que soasse como uma conversa de sofá - ele disse, ela disse, e tudo isso. Simon compôs uma canção chamada 'Rhythm of the Saints', que é completamente baseada numa conversa. Daí pensei, 'Sim, que ideia legal'. Queria tentar algo parecido, e 'Cold Fire' conseguiu isso. É uma canção que traz muito de um relacionamento adulto, e uma composição sobre relacionamentos nunca será fácil de fazer - pelo menos de maneira convincente - ao contrário das canções de amor. Canções sobre relacionamento são, por definição, muito mais clínicas, mas achei que essa conseguiu ser algo adulto, com um cara perplexo e uma menina inteligente. Gosto das entrelinhas disso. O cara é do tipo tolo, e a menina muito inteligente e cínica".

"Como Frank Zappa, acho que as canções de amor não são apenas idiotas - são também altamente prejudiciais. Eles inventam essa fantasia que as pessoas esperam viver em seus relacionamentos, quando estes não resultam em divórcios, baixa estima, sentimentos de fracasso e coisas do tipo. Por isso, essas canções não são saudáveis. Tentando expressar como uma relação funciona de fato, inventei personagens e situações, personalizando-os. Fiz isso como uma conversa entre duas pessoas, sendo a mulher a mais inteligente, preparando uma pequena e complexa história pessoal. Tive que preencher as entrelinhas e o pano de fundo construindo algo que espero que seja invisível, mas ao mesmo tempo relacionável. É apenas outra essência do que digo sobre a bateria: depois de anos no ofício, você se torna capaz de lidar com as coisas com mais habilidade e sutileza".

"Em muitos casos, a adoção da postura de uma primeira pessoa foi algo técnico. Para algumas canções, as situações são totalmente inventadas, como em 'Cold Fire' e 'The Speed of Love', mas queria colocá-las em um contexto mais quente - tal como em Roll The Bones, no qual lidava com temas bem frios. Me esforcei bastante para aquecer aquelas músicas, de várias maneiras, tentando aquecer o conceito das nossas vidas sendo dominadas pelo acaso. Portanto, não queria apenas apresentar os temas de dualidade no preto e branco em Counterparts".


Com uma atmosfera doce e enxuta, tão límpida que é possível imaginar os movimentos das mãos dos músicos em seus respectivos instrumentos, "Cold Fire" nos traz um lembrete sobre o fato de que amar e caminhar ao lado de alguém está muito além de um simples descarte da individualidade. Com grande percepção e criatividade, Neil Peart e o Rush nos levam a pensar que o ato de um compromisso amoroso não sela o direito de nos relacionarmos de forma irresponsável, egoísta e displicente. Muito pelo contrário, a vivência lado a lado traz implícita a necessidade de compreensão e respeito pelo parceiro de forma sempre cuidadosa, intensa e delicada - até mesmo nas divergências. Counterparts acaba aflorando, portanto, um lado do Rush que permaneceu escondido durante a maior parte de sua carreira. Temos aqui mais uma canção que fala sobre o amor, porém de uma forma realista e madura, bem próxima da real natureza humana. Trata-se de uma materialização do ir além dos clichês, em todos os sentidos possíveis.

"O caminho da verdadeira sinergia nem sempre é suave", diz Peart. "Como em toda relação no mundo real, existe fricção às vezes. Mas, se tratada com respeito e dignidade, pode se tornar um amolador que cria suas próprias faíscas. Afinal, nenhuma pérola cresce sem um grãozinho de irritação em seu coração (o truque é criar uma pérola, não uma úlcera). E afinal, quem quer andar com gente que concorda com você o tempo inteiro? Opiniões diferentes fazem parte da química".

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

CHAPPELL, J. "Alex Lifeson's Attitude Adjustment". Guitar For The Practicing Musician. February 1994.
NEAR, D. "Rush: Up Close / A 3-Hour Radio Interview/Music Profile". Media America Radio, January / February 1994.
HAMILTON, P. ""The Whole Is Greater Than The Sum Of Its Parts" - An Interview with Neil Peart". Canadian Musician Magazine. February 1994.
GEHRET, U. "To Be Totally Obsessed - That's the Only Way". Aquarian Weekly. March 9, 1994.