DOUBLE AGENT



VOLTAR PARA "COUNTERPARTS"
VOLTAR PARA DISCOGRAFIA
VOLTAR PARA LETRAS E RESENHAS



DOUBLE AGENT

Where would you rather be?
Anywhere but here
When will the time be right?
Anytime but now


On the edge of sleep,
I was drifting for half the night
Anxious and restless,
pressed down by the darkness
Bound up and wound up so tight
So many decisions, a million revisions
Caught between darkness and light...

Wilderness of mirrors
World of polished steel
Gears and iron chains
Turn the grinding wheel
I run between the shadows
Some are phantoms, some are real

Where would you rather be?
Anywhere but here
When will the time be right?
Anytime but now
The doubt and the fear
I know would all disappear

Anywhere but here

On the edge of sleep,
I heard voices behind the door
The known and the nameless,
familiar and faceless
My angels and my demons at war
Which one will lose - depends on what I choose
Or maybe which voice I ignore...

Wilderness of mirrors
Streets of cold desire
My precious sense of honor
Just a shield of rusty wire
I hold against the chaos -
And the cross of holy fire

Wilderness of mirrors
So easy to deceive
My precious sense of rightness
Is sometimes so naive
So that which I imagine
Is that which I believe

On the edge of sleep, I awoke to a sun so bright
Rested and fearless, cheered by your nearness
I knew which direction was right
The case had been tried by the jury inside
The choice between darkness and light...
AGENTE DUPLO

Onde você gostaria de estar?
Em qualquer lugar, menos aqui
Quando será a hora certa?
A qualquer hora, menos agora


À beira do sono,
Eu vagava no meio da noite
Ansioso e inquieto,
pressionado pela escuridão
Intensamente alerta e tenso
Tantas decisões, um milhão de revisões
Preso entre trevas e luz...

Imensidão de espelhos
Mundo de aço polido
Engrenagens e correntes
Giram o esmeril
Corro entre as sombras
Algumas são fantasmas, algumas reais

Onde você gostaria de estar?
Em qualquer lugar, menos aqui
Quando será a hora certa?
A qualquer hora, menos agora
A dúvida e o medo
Sei que tudo desaparece

Em qualquer lugar, menos aqui

À beira do sono,
Ouvi vozes atrás da porta
O conhecido e o anônimo,
o familiar e o sem rosto
Meus anjos e demônios em guerra
O que vai perder - depende do que eu escolher
Ou talvez a voz que eu ignorar...

Imensidão de espelhos
Ruas de desejo frio
Meu precioso senso de honra
Apenas um escudo de arame enferrujado
Me defendo do caos -
E da cruz de fogo sagrado

Imensidão de espelhos
Tão fácil de enganar
Meu precioso senso de retidão
Às vezes é tão ingênuo
Então o que imagino
É no que acredito

À beira do sono, acordei com um sol muito brilhante
Descansado e destemido, confortado por sua proximidade
Eu sabia qual direção era a certa
O caso havia sido julgado pelo júri interior
A escolha entre as trevas e a luz...


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


Os mistérios do inconsciente

A oitava faixa de Counterparts é a robusta e incomum "Double Agent", uma canção marcada por nuances sombrias e componentes progressivos que a caracterizam como uma peça muito diferente de todas as demais nesse trabalho. Foi o terceiro single do disco, lançado em 1994 após "Stick It Out" e "Nobody's Hero".

"Double Agent" é uma obra enigmática guarnecida de elementos múltiplos, repleta de texturas, mudanças de tempo, ritmos variados, palavras faladas e a usual versatilidade instrumental dos integrantes. Devido a tantos elementos que intencionalmente fogem do habitual, é possível, sem sombra de dúvidas, fixá-la como a menos acessível na obra, necessitando de algumas audições para ser melhor compreendida e apreciada.

"Essa canção, sob muitos aspectos, me faz lembrar nosso material mais antigo, algo como a era Hemispheres", diz Alex Lifeson. "É uma canção peculiar para nós, na qual não seguimos um fluxo. As composições se tornaram algo muito mais importante para mim do que ser apenas um guitarrista. Quando você pensa no contexto completo de um álbum ou até mesmo em uma música inteira, não se trata somente da declaração que quer trazer como instrumentista individual. O que você faz com os outros músicos e o que faz para a música são, de fato, as coisas mais importantes".

"Acho que a forma de gravação dessa canção foi muito semelhante aos discos mais antigos, como 2112. Naquela época, eu tinha um amplificador e o ligava assim que fosse tocar. Colocávamos dois microfones na frente dele, ligávamos o mesmo, conectávamos a guitarra e tocávamos. Era o mesmo em termos de gravação".

"Você sente como se estivéssemos voltando no instrumental mas, antes de fazermos isso, começamos com outra coisa! Essa canção vai lhe dar dores no estômago"
, ri Geddy. "Guardamos vários materiais estranhos para ela".

Prosseguindo com a temática do álbum, Peart aborda em "Double Agent" mais um tipo de dualidade e complementaridade: dessa vez, o letrista reproduz suas observações sobre o consciente e o inconsciente, associados, de forma muito interessante, a todo o mistério e imaginário do mundo da espionagem. Novamente, o letrista expõe seu interesse sobre os enigmas da mente humana, conforme evidenciado em temas anteriores como "The Enemy Within", de Grace Under Pressure (1984) e "Neurotica", do anterior Roll The Bones (1991). Aqui, Peart desenha um personagem imerso em dúvidas sobre uma tomada de decisão, sendo conduzido por cenários oníricos variados durante uma noite de sono, nos quais o músico tenta projetar as atividades do inconsciente que busca respostas. Por fim, ao despertar em uma manhã ensolarada, a direção a ser tomada parecia clara na mente do protagonista.

"Há uma dimensão espiritual que é parte do processo criativo, mas não no sentido religioso", explica Peart. "Estou ciente da zona intermediaria entre o consciente e o inconsciente, e a canção explora esse tema. Muitas das minhas composições falam sobre os momentos entre o dormir e o acordar. Se há um espírito e uma alma entre esses dois elementos, ligações misteriosas acontecem. Esse deve ser, provavelmente, o lugar onde nós devemos residir. Já tive meu subconsciente tomando decisões por mim".

Muito do que fazemos é inconsciente - falar e andar, por exemplo. Simplesmente pensamos no que queremos dizer (ideias) e não precisamos selecionar conscientemente as palavras, pois as mesmas simplesmente surgem. Isso acontece porque o inconsciente trabalha nos bastidores, vasculhando o vocabulário e abastecendo o consciente para nos expressarmos. Algo parecido acontece ao ouvirmos outra pessoa falando. Não é preciso analisar e decodificar conscientemente cada palavra que o outro diz, pois o inconsciente se encarrega de transformar em ideias os sons que estão sendo proferidos. Temos o mesmo quando lemos: o inconsciente transforma automaticamente os símbolos gráficos (letras e palavras) em idéias, que só então são transmitidas para a consciência.

O inconsciente se encarrega de tudo o que fazemos sem esforço perceptível. Com isso, ele opera em potência máxima o tempo todo. Ao fazemos algo intenso mentalmente, como jogar xadrez, nosso cérebro consome apenas 1% a mais de energia do que se estivéssemos olhando para o teto sem pensar em coisa alguma. Isso acontece graças ao inconsciente - que trabalha freneticamente até mesmo quando estamos relaxados.

Carl Jung foi uma das influências literárias mais fortes para os temas abordados em Counterparts. Como na canção de abertura "Animate", "Double Agent" também visita as ideias do psiquiatra suíço. Sua concepção sobre o inconsciente pessoal é semelhante ao inconsciente da teoria psicanalítica de Sigmund Freud. O inconsciente pessoal é composto de memórias esquecidas, experiências reprimidas e percepções subliminares. Jung formulou o conceito de inconsciente coletivo, também conhecido como impessoal ou transpessoal. Seus conteúdos são universais e não-estabelecidos em nossa experiência pessoal, e este conceito constitui, talvez, a maior divergência em relação a Freud - e, ao mesmo tempo, sua maior contribuição à Psicologia.

Jung escreve que nascemos com uma herança psicológica, que se soma à herança biológica. Ambas são determinantes essenciais do comportamento e da experiência. "Exatamente como o corpo humano representa um verdadeiro museu de órgãos, cada qual com sua longa evolução histórica, da mesma forma deveríamos esperar encontrar também, na mente, uma organização análoga. Nossa mente jamais poderia ser um produto sem história, em situação oposta ao corpo, no qual a história existe". Assim, mente humana inconsciente, assim como nosso corpo, é um depositário de relíquias do passado.

"O inconsciente coletivo é constituído, numa proporção mínima, por conteúdos formados de maneira pessoal; não são aquisições individuais, sendo essencialmente os mesmos em qualquer lugar e que não variam de homem para homem. Este inconsciente é como o ar, que é o mesmo em todo lugar, é respirado por todo o mundo e não pertence a ninguém. Seus conteúdos (chamados arquétipos) são condições ou modelos prévios da formação psíquica em geral".

Dentro do inconsciente coletivo existem estruturas psíquicas ou arquétipos. Tais arquétipos são formas sem conteúdo próprio que servem para organizar ou canalizar o material psicológico. Eles se parecem um pouco com leitos de rio secos, cuja forma determina as características do rio desde que a água começa a fluir por eles. Jung também chama os arquétipos de imagens primordiais, pois eles correspondem freqüentemente a temas mitológicos que reaparecem em contos e lendas populares de épocas e culturas diferentes. Os mesmos temas podem ser encontrados em sonhos e fantasias de muitos indivíduos. De acordo com Jung, os arquétipos, como elementos estruturais formadores que se firmam no inconsciente, dão origem tanto às fantasias individuais quanto às mitologias de um povo.

"Quando li Carl Jung fiquei interessado na ideia do inconsciente, e comecei a pensar sobre como o meu funcionava", explica Peart. "Percebi que, geralmente, se tivesse uma decisão difícil a tomar, pesaria os prós e os contras e meu consciente estaria borbulhando um monte de pensamentos e preocupações. E, de repente, numa manhã, acordaria e saberia o que fazer. Um amigo estava trabalhando em um livro sobre a guerra secreta entre a CIA e o FBI, e me pediu para ser seu leitor, por assim dizer. Assim, li que havia todo um conjunto de livros de fundo da CIA e da KGB e coisas do tipo, e acabei mergulhando totalmente nesse mundo da espionagem. Daí pensei em utilizar todo esse imaginário, visitando o livro Clock And Dagger (O Grande Segredo - 1926) do escritor norte-americano Corey Ford (1902 - 1969) e Third Man (O Terceiro Homem - 1949) do autor britânico Graham Greene (1904 - 1991). Portanto, a espionagem e Carl Jung ficaram misturados em minha mente com meus pesadelos e sonhos oníricos, tornando-se um veículo musical perfeito. Conforme vamos verificando ao longo dos anos, em vários contextos diferentes, os sonhos também acabam sendo um grande veículo de transporte de ideias musicais e vocais".

Além de Carl Jung, Corey Ford e Graham Greene, "Double Agent" traz também a já usual influência do poeta norte-americano naturalizado britânico T.S. Eliot (1888 - 1965). A frase "Wilderness of mirrors" ("Imensidão de espelhos") veio de Gerontion, um poema escrito por Eliot publicado pela primeira vez em 1920. Esse termo foi aplicado também pelo ex-chefe da contra-inteligência da CIA, James Jesus Angleton, enquanto buscava descrever o mundo da espionagem. Peart também o utiliza na canção, tencionando refletir o funcionamento clandestino dos sonhos e do subconsciente. Podemos imaginar nossas próprias reflexões através desse universo metafórico de espelhos, porém, não somente no sentido convencional de olharmos para trás - certamente algo que também pode nos levar a refletir sobre o presente e o futuro - porém mais ainda na realização de um olhar para nossos eus escondidos, para a natureza humana e suas ações no mundo e para as tragédias e inspirações da vida cotidiana.

"Em um nível mais profundo, porém sem querer mergulhar demais, esse é estilo de escrita que eu sempre busco, inspirado em John Dos Passos (um escritor de prosa que exemplifica isso) e T.S. Eliot (um poeta que exemplifica isso)", explica Peart. "Eles atiram muito em você, trazendo imagens e quadros individualmente lindos e não necessariamente interconectados, mas que simplesmente vêm até você. Sua cabeça fica girando o tempo todo, e daí você pensa, 'Oh, não estou entendendo isso, porque não estou entendendo isso, por acaso sou algum idiota?'. E, por fim, você é colocado de lado após o desaparecimento da vertigem, sendo deixado com algo. Você fica com algo belo. E, quando alguém menciona aquele livro ou poema para você, então essa coisa linda, indescritível, intangível - a imagem que você desenhou - vem toda à sua mente. Portanto, apenas busco alcançar esse tipo de escrita cuidadosamente refinada, com cada imagem funcionando como ela própria, mas que todas juntas nos parecem um tanto quanto obscuras e vagas, como se não estivessem querendo dizer nada. Mas, na verdade, elas dizem muitas coisas".

"'Double Agent' foi, provavelmente, a música mais difícil na qual já trabalhei. Apesar do prazer que me proporcionava enquanto criava, ela passou por muitas regravações e mudou de título muitas vezes, mas tudo na busca de um aperfeiçoamento constante. Cada pequena imagem deveria se misturar, e lutei pelas palavras certas - aquelas que unissem cada pequena frase e que soassem corretas para mim, mas que, ao mesmo tempo, parecessem um tanto quanto sem sentido. Busquei conseguir um tipo de Jaguadarte
[N. do T.: poema nonsense que surge em Alice Através do Espelho e O Que Ela Encontrou Por Lá (1871) do romancista britânico Lewis Carroll (1832 - 1898), continuação do famoso Alice no País das Maravilhas, de 1865], um tipo de jogo de palavras acontecendo que faz com que também ocorram pequenas coisas em sua mente, uma espécie de capturas sem identificação que parecem recursos poéticos. Você toma um número de palavras que soam iguais ou que começam com a mesma letra e pensa, 'Oh, isso é aliteração!' [N. do T.: figura de linguagem que consiste em repetir sons consonantais idênticos ou semelhantes no início de palavras de uma frase ou de versos de uma poesia para criar sonoridade]. Mas essas palavras caem nos seus ouvidos de forma melodiosa, ou se você tiver lendo-as, elas correm por sua mente de forma rítmica e atraente".

"Double Agent", certamente, se fixa no rol das canções mais bem trabalhadas pelo Rush, sob todos os aspectos possíveis. Mais uma vez, a banda consegue envolver letra e música intensamente, produzindo uma gama de imagens estonteantes que nos levam a perceber elementos que vão muito além de uma simples canção. Através de uma observação singular do consciente e do inconsciente como verdadeiras contrapartes, temos um encontro com nossa própria natureza humana - tão obscura e fantástica no teatro da existência.

"'Double Agent' foi um verdadeiro exercício de auto-indulgência, uma das últimas coisas que escrevi para esse álbum", diz Peart. "Havíamos preparado meticulosamente todas as músicas com estruturas fortíssimas: essa e aquela nota. Já para essa canção, quisemos algo despretensioso e com um pouco de delírio. Acho que foi uma das mais tolas que compus, porém fiquei feliz com o resultado. À sua maneira, acho que ela se traduz em uma pequena e interessante peça de loucura".

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

PEART, N. "Reflections In A Wilderness Of Mirrors : The Counterparts Tour Book". 1993.
GILRAY, S. "Face 2 Face With Alex Lifeson". The Spirit Of Rush #27. July 1994.
NEAR, D. "Rush: Up Close / A 3-Hour Radio Interview/Music Profile". Media America Radio, January / February 1994.
CHAPPELL, J. "Alex Lifeson's Attitude Adjustment". Guitar For The Practicing Musician. February 1994.
RUTKOSKI, R. "Interview: Neil Peart / Rush With Candlebox, War Memorial - May 4". Freetime Rochester. April 27 - May 11, 1994.
RESNICOFF, M. "Back To The Future - Alex Lifeson And Geddy Lee Return To Their Roots With Counterparts, Rush's Nineteenth Album". Guitar School. March 1994.
FADIMAN, J. FRAGER, R. "Teorias da Personalidade" 1939.