TAI SHAN



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TAI SHAN

High on the sacred mountain
Up the seven thousand stairs
In the golden light of autumn
There was magic in the air

Clouds surrounded the summit
The wind blew strong and cold
Among the silent temples
And the writing carved in gold
Somewhere in my instincts
The primitive took hold...

I stood at the top of the mountain
And China sang to me
In the peaceful haze of harvest time
A song of eternity -


If you raise your hands to heaven
You will live a hundred years
I stood there like a mystic
Lost in the atmosphere

The clouds were suddenly parted
For a moment I could see
The patterns of the landscape
Reaching to the eastern sea
I looked upon a presence
Spanning forty centuries...

I thought of time and distance
The hardships of history
I heard the hope and the hunger
When China sang to me...
TAI SHAN

No alto da montanha sagrada
Acima dos sete mil degraus
Na luz dourada do outono
Havia magia no ar

As nuvens cercavam o topo
O vento soprava forte e frio
Entre os templos silenciosos
E os escritos esculpidos em ouro
Em algum lugar nos meus instintos
O primitivo assumiu o controle...

Fiquei de pé no topo da montanha
E a China cantou para mim
Na névoa tranquila do período de colheita
Uma canção da eternidade -


Se você levantar as mãos para o céu
Viverá cem anos
Lá fiquei como um místico
Perdido na atmosfera

As nuvens de repente se separaram
Por um momento pude ver
Os moldes da paisagem
Alcançando o mar oriental
Contemplei uma presença
Que atravessava quarenta séculos...

Pensei no tempo e na distância
Nas dificuldades da história
Ouvi a esperança e a fome
Quando a China cantou para mim...


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


Efeitos de uma paisagem exótica e milenar

"Tai Shan" é penúltima faixa de Hold Your Fire, uma peça com fortes elementos experimentais que, após o instante dinâmico com "Turn The Page", retoma a abordagem geral mais amena do álbum. Mesmo relembrando algumas inclinações composicionais já assumidas em canções anteriores, como "Territories" e "Mystic Rhythms" (de Power Windows, de 1985), essa peça se revelou controversa para muitos, inclusive para os próprios integrantes com o passar dos anos. Porém, um olhar mais atento e detalhado pode despertar algumas sutilezas bastante interessantes.

Instrumentalmente, "Tai Shan" é um forte exemplo do Rush utilizando elementos musicais exóticos para evocar sentimentos de alteridade em uma peça dedicada à uma cultura diferente. Partindo do som de uma flauta Shakuhachi, instrumento japonês feito de bambu, "Tai Shan" deságua em uma atmosfera mágica, descritiva e introspectiva, com linhas percussivas construídas por tendências orientais e guitarras ocasionais emulando o som de uma Pipa, alaúde chinês de quatro cordas definido como um dos instrumentos mais antigos e populares do país, com mais de dois mil anos de história.

"Sampleamos uma flauta Shakuhachi e construí a percussão em torno de blocos sonoros de madeira, que monges budistas utilizam para seus cânticos", lembra Neil Peart. "Foi algo sutil, mas com um belo toque de autenticidade. Por incrível que pareça, a Aimee Mann aparece perto do fim, sem estar cantando exatamente. Capturamos a voz dela em outras músicas e colocamos por trás, o que tornou uma agradável textura, algo que nos deu esse som exótico e pseudo-chinês. Não consegui resistir aos benefícios dos triggers e dos pads, com a possibilidade de ter qualquer som que quisesse obter com minhas baquetas ou pedais: marimbas, sinos, djembê do oeste africano e até mesmo a gravação do bater de uma escova de dentes contra uma garrafa de plástico, que foi utilizada em 'Tai Shan'".

"Em 'Tai Shan', trago um antigo tambor chinês muito frágil e valioso para se pensar em usar ao vivo. Levei o mesmo para nosso estúdio de ensaios, a fim de sampleá-lo. Tenho alguns instrumentos antigos, especialmente orientais e africanos, e a única maneira de usá-los é através de samplers. Isso lhe dá toda a liberdade, e é o que mais gosto".

"Trata-se apenas do prazer de injetar novos sabores e variedade em um álbum"
, diz Geddy Lee. "'Tai Shan' é uma canção pessoal que Neil escreveu sobre sua experiência em escalar uma montanha na China de mesmo nome, e os sentimentos e pensamentos que ele experimentou quando chegou ao topo. Ela infere um sabor oriental".

Nessa canção, o trio nos convida para uma viagem ao sagrado Monte Tai na China (ou Tai Shan, que significa Grande Montanha). Situado ao sul da cidade de Jinan, centro da província de Shandong, o Monte Tai estende-se por mais de 200 quilômetros, com uma superfície de 426 quilômetros quadrados. Contemplando-o ao longe, o local se mostra assentado silenciosamente (concedendo um senso estável e profundamente solene), descrições que por si só deram origem a alguns notáveis provérbios chineses, como "Ser estável como a Tai Shan" ou "Ter o peso da Tai Shan". Yuhuangding, o pico do monte com altitude de 1545 metros, sobressai nas baixas colinas que se encontram a seu redor, sendo uma notável fonte de inspiração para artistas e estudantes por simbolizar antigas civilizações e crenças do país. Uma placa localizada no cume traz o seguinte verso: "A Terra se limita ao Céu, sou o pico da montanha no seu fim", este que deu origem a outro dito chinês: "A montanha Tai Shan é a mais grandiosa sob o céu".

O Monte Tai é famoso por seus grandes penhascos e pinheiros verdejantes, estes que uivam enquanto o vento sopra. No outono, suas agulhas douradas cobrem as trilhas e suas copas suportam as nuvens. Muitos dos pinheiros estão enraizados por entre as fendas dos penhascos, produzindo formas bem diversificadas e integradas à montanha. Os granitos aflorados parecem blocos de músculos e ossos que cobrem toda superfície, e os cantos dos pássaros fazem com que a floresta pareça ainda mais sossegada, criando um mundo à parte da intensidade cotidiana. Através de sua ampla visão, é possível contemplar o Sol nascente e os crepúsculos vespertinos, além do grande rio Amarelo, este que é considerado o principal da China e um dos berços da sua civilização.

O monte integra o grupo das chamadas Montanhas Sagradas, sendo considerada a mais importante por estar associada ao nascimento e renovação, em virtude de ser a mais oriental. As Montanhas Sagradas são divididas em dois grupos: o primeiro é conhecido como as Cinco Grandes Montanhas (associado ao Taoísmo e onde encontra-se a inspiração de Peart para a canção), e o segundo como as Quatro Montanhas Sagradas do Budismo. As estruturas de ambos os grupos são importantes locais de peregrinação até os dias atuais.

Neil Peart decidiu escrever "Tai Shan" na ocasião de sua primeira visita à China, ocorrida em 1985. Concentrando-se na região Nordeste do país, ele passaria a escapar das pressões das turnês e da monotonia em geral do dia a dia com sua bicicleta, tornado-se na época um forte ciclista de longas distâncias. O baterista ficou deslumbrado com a singularidade do Monte Tai e quis experimentar compor uma nova canção-documentário, trazendo descrições detalhadas nos mesmos moldes utilizados em outros trabalhos, como em "Countdown", do álbum Signals de 1982 e "Manhattan Project", do anterior Power Windows, de 1985. Ele escreveu toda a letra no alto da montanha.

"Em 1985, fiz minha primeira longa viagem em cima de uma bicicleta. Visitei a China logo após suas portas, fechadas desde a revolução de 1949, terem sido reabertas para os ocidentais. Decidi me inscrever em um circuito de duas semanas oferecido por uma empresa chamada China Passage, juntando-me a cerca de 20 ciclistas do Canadá, Estados Unidos e Austrália. Foi uma aventura difícil, mas fascinante".

"Tai Shan" explora os efeitos místicos e temporais que um local especial pode provocar nas pessoas. Envolvendo claramente os dois conceitos principais de Hold Your Fire (os instintos e o tempo), a canção tenta descrever o alcançar de uma montanha sagrada após árduos sete mil degraus. A visão panorâmica e maravilhosamente singular envolve as belezas naturais a uma lenda local que afirma a dádiva de uma vida centenária concedida aos peregrinos que lá chegam. A mistura de sensações, portanto, acaba por trazer de fato o aroma desse prenúncio - a sensação de magia no ar. Peart, como um visionário, percebe através da história antiga da região uma paisagem de quarenta séculos que permanece imutável, experimentando no ambiente sentimentos atemporais fascinantes que evocam uma ideia bem viva de eternidade, vestida com sedas chinesas.

"'Tai Shan' foi inspirada por uma viagem de bicicleta empreendida por Neil na China há alguns anos, na qual se dirigiu ao topo de uma montanha ficando maravilhado com a visão desse grande território eterno", explica Alex Lifeson. "Ele olhou em volta e pensou sobre como em um milhão de anos tudo ainda estará lá, ao passo de que não haverá nenhum vestígio de nós. Foi uma experiência muito esclarecedora para ele, uma das poucas coisas que realmente o transformaram em torno do conceito de 'tempo'".

Perguntado se existe algum lugar no mundo que teve um efeito duradouro sobre sua vida como compositor, Peart diz, "Acho que minhas viagens têm mais a ver comigo como pessoa, porém, em seguida, é claro que repercute efeitos enormes sobre mim como escritor. Portanto, é difícil definir isso e, em um sentido direto, muito raramente escrevo sobre viagens especificas ou eventos específicos. Exceto no caso de, por exemplo, 'Tai Shan', que foi sobre uma visita à China na qual escalei a montanha Tai Shan - um símbolo sobre o que eu sentia sobre o povo chinês. (...) Ao mesmo tempo, uma experiência tão grande com tantas pessoas que vivem sob circunstâncias diferentes em uma cultura completamente diferente da nossa afetou minha compreensão e tolerância para aqueles que são tão diferentes do que sou, e que acho que trazem valores diferentes dos meus. De repente, acho que me tornei menos crítico, pois tenho visto valores de outras formas de vida. Ninguém tem que ser como eu sou, alguém que é feliz por ser orientado por objetivos. Dessa forma, posso dizer que essa é a minha escolha e que há também as escolhas deles, e todas acabam abordando a busca pela felicidade, o que para mim é o bem supremo".

Mesmo funcionando liricamente como uma celebração a tudo que podemos aprender de culturas muito diferentes, "Tai Shan", musicalmente, não marcou o trio. Anos mais tarde, Alex se pronunciou negativamente sobre a composição em alguns momentos. "Minha canção menos favorita do Rush tem que ser 'Tai Shan'. Acho que não funcionou muito bem como ideia. É um pouco brega e acho que tentamos ser muito cinematográficos com ela, e bem bonitinhos. Acredito que não tenha sido uma ideia lírica e musical forte o suficiente. Gosto de ser crítico com relação a algumas canções de qualquer um dos nossos álbuns, pois são trampolins importantes para que nos tornemos compositores melhores".

"'Tai Shan' foi um pouco piegas. Queríamos fazer algo diferente, mas talvez tenhamos trazido muito desse sabor pseudo-asiático. Talvez deveria ouvi-la novamente. Acho que não a ouvi desde que gravamos [risos]".

"'Tai Shan', de Hold Your Fire, vem à minha mente. Foi uma das piores coisas que já fiz. Acho que se eu ouvisse essa canção novamente ficaria gravemente doente".


Geddy, por sua vez, também expressou uma opinião negativa sobre a canção. "Em nosso período intermediário, fizemos uma canção chamada 'Tai Shan', usando um poema que Neil escreveu sobre a escalada de uma montanha na China. Quando ouço, é como, 'Bzzt. Erro'. Devíamos ter feito melhor".

"Para mim, uma grande vantagem na música do Rush é que não há barreiras - qualquer estilo de música é uma influência 'aceitável', proporcionando o que é interessante, e dos quais certamente retiramos bastante"
, afirma Neil. "Pessoalmente, estou muito interessado em aprender sobre ritmos diferentes. (...) Ao contrário de outros artistas, não estou interessado em emular a música de outras culturas. Eu gosto de rock. Porém, gosto de aprender com outros estilos músicas, aplicando ideias que resultam em meu próprio caminho".

© 2015 Rush Fã-Clube Brasil

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