TOTEM



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TOTEM

I've got twelve disciples and a Buddha smile
The Garden of Allah, Viking Valhalla
A miracle once in a while

I've got a pantheon of animals in a pagan soul
Vishnu and Gaia - Aztec and Maya
Dance around my totem pole

I believe in what I see
I believe in what I hear
I believe that what I'm feeling
Changes how the world appears

Angels and demons dancing in my head
Lunatics and monsters underneath my bed
Media messiahs preying on my fears
Pop culture prophets playing in my ears

I've got celestial mechanics
To synchronize my stars
Seasonal migrations - daily variations
World of the unlikely and bizarre

I've got idols and icons, unspoken holy vows
Thoughts to keep well-hidden -
Sacred and forbidden
Free to browse among the holy cows

That's why I believe

Angels and demons inside of me
Saviors and Satans all around me

Sweet chariot, swing low, coming for me
TOTEM

Tenho doze discípulos e um sorriso de Buda
O Jardim de Alá, Valhala Viking
Um milagre de vez em quando

Tenho um panteão de animais numa alma pagã
Vishnu e Gaia - Asteca e Maia
Dançam ao redor do meu totem

Acredito no que vejo
Acredito no que ouço
Acredito que o que estou sentindo
Muda como o mundo se apresenta

Anjos e demônios dançando em minha cabeça
Lunáticos e monstros sob a minha cama
Messias da mídia tirando vantagem dos meus medos
Profetas da cultura pop tocando em meus ouvidos

Tenho mecânicos celestiais
Para sincronizar minhas estrelas
Migrações sazonais - variações diárias
Mundo do improvável e bizarro

Tenho ídolos e ícones, votos sagrados implícitos
Pensamentos para manter bem escondidos -
Sagrados e proibidos
Livres para pastar entre as vacas sagradas

É por isso que acredito

Anjos e demônios dentro de mim
Salvadores e Satãs ao meu redor

Doce carruagem, balance baixo, vindo me buscar


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


As inúmeras percepções e possibilidades filosóficas e religiosas

A sexta faixa de Test For Echo é a brilhante "Totem", uma canção robusta, melódica e muito cativante que lança um olhar global sobre religiões, mitologias, filosofias, percepções existenciais e seus desdobramentos.

Explodindo imediata, "Totem" é revestida por uma forte aura holística. Mesclando fúria e suscetibilidade a cada estalar de pratos, sua bela estrutura é adornada por elementos acústicos e elétricos acionados com extasiante sincronismo. A banda experimenta novamente a exploração de contrastes musicais, ambientes que em segundos se metamorfoseiam - desde versos energizados para refrões e pontes carregados de doçura e suavidade. Toda complexidade apresentada na anterior "Time and Motion" é amenizada por um composto de muitas sutilezas, como o invocar de acordes mais intensos e um solo de arpejos imediatos trazendo sensações flutuantes. "Totem", portanto, propõe um visual exuberante com anjos, demônios e salvadores em um único cenário sagrado.

"Os refrões em 'Totem' são muito interessantes", declara Alex Lifeson. "Criei uma paisagem sonora utilizando harmônicos numa espécie de melodia celta que traz uma sensação de distância. Esses elementos, em termos de dinâmica, oferecem belas mudanças. Há uma frase, 'angels and demons inside my head', que se mostrou muito visual para mim, quase angelical. Se você ouvir com atenção, poderá perceber imagens desse tipo sempre presentes".

"Sobre o solo, adicionei os efeitos posteriormente, assim como alguns em Victor. Sinto-me desafiado musicalmente. É um desafio quando você deixa de confiar em seu amplificador e passa a utilizar suas mãos para sustentar. Você faz aquilo com satisfação, o que acaba sendo um impulso de confiança. Meu solo favorito do álbum está em 'Totem', pelo desafio da sonoridade e pela objetividade".


Liricamente, Neil Peart proporciona em "Totem" um complexo compêndio de crenças, capturando intencionalmente todos os bons elementos de cada uma delas para declarar que a forma do indivíduo ver o mundo está inteiramente ligada ao seu interior.

"Em 'Totem', Neil traz comentários investigativos contemporâneos e não-contemporâneos sobre a espiritualidade e sua necessidade", explica Geddy Lee. "Ele trata da espiritualidade interna em oposição àquela baseada nas organizações constituídas. Não posso falar dos outros como para mim mesmo - acredito que o conceito tradicional de Deus é o único com o qual não estou confortável. Tomando Woody Allen emprestado, 'Se há um Deus, na melhor das hipóteses é um fracassado'. Para mim, a espiritualidade é uma crença pessoal e acho que cabe a cada pessoa escolher o caminho para ela própria. Acredito que seja, de fato, um ponto de vista individual. Cresci em um lar muito religioso, e acho que as constrições e os dogmas da religião organizada não são apropriados ao meu sistema de crenças. Bom, não sou tão arrogante a ponto de acreditar que tenho as respostas para todas essas perguntas".

"'Totem' traz uma espécie de impulso travesso, pegando emprestado algumas das coisas agradáveis em diferentes sistemas de crenças e colocando tudo para dançar junto"
, explica Peart. "Porém, tenha cuidado com a ironia - aquilo que não é o que parece. As linhas do tipo 'I believe in what I see' ['Acredito no que vejo'] e etc. estão diretamente em contradição com 'I believe that what I'm feeling changes how the world appears' ['Acredito que o que estou sentindo muda como o mundo se apresenta']. Em outras palavras, aquilo que vejo e ouço pode mudar de acordo com meu humor ou circunstâncias (pelo menos tenho notado isso em várias pessoas)".

O título da canção veio do livro Totem e Tabu, escrito em 1913 pelo neurologista e psiquiatra austríaco Sigmund Freud (1856 - 1939). Nesse trabalho, o médico discute a obscura percepção interior do mecanismo anímico que estimula pensamentos, estes que são naturalmente projetados para o exterior. Elementos tais como imortalidade, castigos e vida após a morte são definidos como reflexos do interior psíquico, exteriorizados nos campos religiosos e relacionais da vida.

"Sempre fui um curioso sobre todas as religiões. A ideia de Totem veio do livro Totem e Tabu de Freud, com o qual me deparei numa estante na sala de jantar do Chalet Studio, onde estávamos trabalhando. Estava redescobrindo Freud por meio de Jung e começando a entender a real profundidade das coisas com as quais ele lidava, ao contrário de alguns da psicologia pop que nos alimentaram enquanto crescíamos. Achei o título muito bonito por traduzir aquilo que tememos e o que adoramos, com 'Totem' representando nossas adorações e 'Tabu' os nossos temores - uma linda e abrangente metáfora. Quis me apropriar de várias religiões na canção, pois vejo que todas elas (e seus variados sistemas) possuem algo bom. Por isso pensei, 'Porque não ter todas?'. O sorriso de Buda é algo bom, e gostaria de ter doze apóstolos. Todas as coisas boas das diferentes religiões aqui reunidas soam um tanto quanto irônicas e satíricas".

"Aponto na canção aquilo que todas as religiões têm de bom, e com certeza ataco as divisões nas entrelinhas. Não é algo cínico. A canção diz que o sorriso de Buda e os doze apóstolos são coisas muito legais, e eu adoraria ter astecas e maias dançando ao redor do meu totem. Quis reforçar que tudo isso é genuíno e perfeitamente ingênuo, e que não deveria ser cínico ou cansativo. É uma resposta verdadeira para os belos elementos de todas essas crenças. Trouxe todas essas coisas, mas deixei de fora as guerras, o moralismo e os missionários".


Além de visitar várias filosofias e religiões, Peart aborda na destacada frase "I believe that what I'm feeling changes how the world appears" a controversa corrente filosófica do solipsismo cartesiano, esta que defende que todo o existir externo pode ser uma mera ilusão do próprio ser. Trata-se da concepção de que além do indivíduo existam somente suas próprias experiências, e que estas configuram o mundo exterior.

"As pessoas ficam presas ao momento e, se esse se apresenta ruim, a vida se torna ruim", declara Peart. "Se elas estão de mau humor, o mundo parece escuro. Vejo um pouco do solipsismo nas pessoas ao meu redor, com o humor ditando como o mundo se apresenta. Se você é cínico, o mundo parece desagradável. Se você é otimista, o mundo parece ensolarado. Isso pode vir muito do dia a dia quanto de personagem para personagem. A canção mostra apenas um desenho sobre uma realidade que muda subitamente, devido a uma alternância de humor ou por algum tipo de infelicidade matinal que define seu dia".

"Um dia ensolarado parece verdadeiramente muito bom se você estiver de bom humor, mas se você estiver deprimido ou simplesmente de mau humor, esse dia se torna escuro. A forma como as pessoas se comportam de acordo com o humor realmente me surpreende. Muitos se escoram no mau humor para ofender e perturbar os outros, como se tivessem o direito de fazer isso. E é exatamente esse tipo de solipsismo que abordo - o mundo mudando de acordo com o que você sente. Mas, novamente, as palavras são cuidadosamente escolhidas. Eu disse 'acredito que o que estou sentindo muda como o mundo se apresenta' e não 'como o mundo é'. Acho que essa é uma distinção muito importante sobre a qual tive cuidado de trabalhar, porque é isso que vejo nas pessoas".


Perguntado se a construção de "Totem" em primeira pessoa poderia retratar ele próprio, Peart diz, "Eu nunca utilizaria a minha primeira pessoa. Sempre falo de um alguém imaginado. Perguntaram-me recentemente, 'Você é um solipsista?', e eu respondi 'Não, só escrevo sobre outros solipsistas' [risos]".

"Não estou falando na primeira pessoa genuína, claro, pois de fato não me sinto assim. Mas vejo essas coisas no mundo ao meu redor no qual, por exemplo, se as pessoas estão de mau humor, o mundo inteiro é um lugar escuro, todos são maus e tudo o que acontece é horrível. Por outro lado, se alguém estiver de bom humor, tudo se faz glorioso, com luz do Sol, flores e pirulitos. Mas, será que a realidade realmente muda tanto assim?
[risos]. Bem, claro que não - o filtro é que muda. Por isso que observo essa subjetividade e o solipsismo em algumas pessoas ao meu redor. Você conhece alguém que parece uma pessoa diferente todos os dias? É disso que eu falo. Trata-se de uma observação irônica".

"Acho que tenho bastante equanimidade quanto a tentar ser a mesma pessoa todos os dias, apresentando um humor prudente. Mas é claro que vejo pessoas ao meu redor com todos os tipos extremos que mais parecem armas, e não apenas oscilações. Isso me surpreende. Como as pessoas podem pensar em se safar com isso, e porque acham que os outros têm que aturar? Mas elas fazem essas coisas, e é assim que se comportam. Achei interessante tratar sobre isso".


"Totem" retrata com exuberância e inteligência elementos religiosos, mitológicos e filosóficos se completando como peças de um grande quebra-cabeças. Cristianismo, budismo, islamismo, mitologia nórdica e grega, politeísmo, paganismo, hinduísmo e culturas mesoamericanas pré-colombianas, aliadas a outros elementos, se entrelaçam formando belíssimas imagens musicais - uma das mais notáveis habilidades do grupo. Aqui, Peart exibe (como um ávido viajante e intelectual) sua admiração pura e fascínio quanto à beleza e diversidade de culturas e tradições, além de indicar que a espiritualidade deveria fluir genuinamente dentro de cada um, livre das pressões de religiões organizadas. Conforme a faixa de abertura "Test For Echo", o letrista revela mais uma vez preocupações com os ditames da cultura pop e com a massificação religiosa nas mídias, que trabalham opressivamente para angariar fiéis utilizando o medo como mecanismo principal (tema amplamente explorado em "The Weapon", faixa do álbum Signals, de 1982). Contudo, "Totem" ressalta a individualidade, a singularidade e a liberdade como bens muito maiores do que qualquer religião ou filosofia instituída - estas que, inevitavelmente, também integram o todo de uma realidade completamente variável e imprevisível.

"O trecho 'angels and demons' veio de uma escritora que, certa vez, traçou um ótimo paralelo a partir das imagens do Pateta da Disney, quando este se encontrava com uma cópia sua em miniatura no ombro lhe dizendo para fazer coisas boas, e outra perversa lhe dizendo para fazer coisas más. Gosto da questão dos anjos e demônios, algo que, definitivamente, acredito que todos nós temos".

A frase final de "Totem" vem de uma canção gospel muito tradicional dos Estados Unidos, chamada "Swing Low, Sweet Chariot". Escrita em 1862 por Wallis Willis, um índio Choctaw, foi inspirada no Rio Vermelho do Sul, que determina a fronteira entre os estados do Texas, Oklahoma e Arkansas. O local trazia lembranças a Willis do Rio Jordão, mencionado no trecho bíblico 2 Reis 2:11: "De repente, enquanto caminhavam e conversavam, apareceu um carro de fogo puxado por cavalos de fogo que os separou, e Elias foi levado aos céus num redemoinho".

De forma muito perspicaz, Peart e Hugh Syme (artista gráfico da banda) decidiram utilizar a imagem do intrigante monólito do clássico 2001: Uma Odisseia no Espaço para representar a canção no encarte do álbum. Dirigido e produzido por Stanley Kubrick (1928 - 1999) em 1968 e co-escrito por Arthur C. Clarke (1917 - 2008), 2001 revolucionou a ficção científica no cinema, gênero muito apreciado pelos canadenses e explorado em trabalhos como anteriores como A Farewell to Kings (1977) e Hemispheres (1978). Várias especulações surgiram na época sobre o significado do estranho monólito, e uma declaração do próprio Kubrick pode ter sido o motivo para essa inspiração, muito próxima da temática de "Totem":

"Tentei criar um experiência visual que ultrapassasse a comunicação verbal e que penetrasse diretamente no subconsciente, com um conteúdo emocional e filosófico. Quis que o filme fosse uma experiência intensamente objetiva que atingisse o espectador a um nível profundo de sensibilidade, como faz a música. O conceito de Deus está no centro de 2001 - mas não qualquer imagem antropomórfica. Vocês são livres para especular sobre o significado filosófico e cultural do filme. Não quero estabelecer um mapa verbal para que todos sejam obrigados a seguir. A intenção é provocar no espectador uma reação que precisa - e não deve - ser explicada".

© 2016 Rush Fã-Clube Brasil

MYERS, P. "Rush Put Themselves To The "Test" / (And End Up Even Closer To The Heart)". Canadian Musician. December / 1996.
DALE, S. "Geddy Lee Chat". Music. December 21, 2000.
MIERS, J. "The Road Less Traveled / A Conversation With Neil Peart Of Rush". Weekend Music Editor, Buffalo New York's Metro Weekend. October 17 - 23, 1996.
STREETER, S. "Live On Paper! - The Steve Streeter And Neil Peart Interview". A Show Of Fans #17. Summer 1997.
STREETER, S. "A Show Of Fans Speaks With Geddy Lee" and "Ask Big Al" (Installment Two). A Show Of Fans #15. Fall 1996.