VIRTUALITY



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DOG YEARS  VIRTUALITY  RESIST


VIRTUALITY

Like a shipwrecked mariner adrift on an unknown sea
Clinging to the wreckage of the lost ship Fantasy
I'm a castaway, stranded in a desolate land
I can see the footprints in the virtual sand

Net boy, net girl
Send your signal 'round the world
Let your fingers walk and talk
And set you free

Net boy, net girl
Send your impulse 'round the world
Put your message in a modem
And throw it in the Cyber Sea


Astronauts in the weightlessness of pixellated space
Exchange graffiti with a disembodied race
I can save the universe in a grain of sand
I can hold the future in my virtual hand

Let's dance tonight
To a virtual song
Press this key
And you can play along

Let's fly tonight
On our virtual wings
Press this key
To see amazing things

Like a pair of vagabonds
Who wave between two passing trains
Or the glimpse of a woman's smile
Through a window in the rain
I can smell her perfume, I can taste her lips
I can feel the voltage from her fingertips

Net boy, net girl
Send your heartbeat round the world
VIRTUALIDADE

Como um marinheiro náufrago à deriva em um mar desconhecido
Agarrando-se aos destroços do navio perdido Fantasia
Sou um náufrago, encalhado em uma terra desolada
Posso ver as pegadas na areia virtual

Garoto da rede, garota da rede
Mandem seu sinal pelo mundo
Deixem seus dedos andarem e falarem
E libertarem vocês

Garoto da rede, garota da rede
Mandem seu impulso pelo mundo
Coloquem sua mensagem num modem
E a joguem no mar cibernético


Astronautas na microgravidade de um espaço pixelizado
Trocam grafites com uma raça sem corpo
Posso salvar o universo num grão de areia
Posso segurar o futuro na minha mão virtual

Vamos dançar hoje à noite
Uma canção virtual
Pressione essa tecla
E você pode tocar junto

Vamos voar hoje à noite
Com nossas asas virtuais
Pressione essa tecla
Para ver coisas incríveis

Como uma dupla de vagabundos
Que acena entre dois trens que passam
Ou o vislumbre do sorriso de uma mulher
Através de uma janela na chuva
Posso sentir seu perfume, posso saborear seus lábios
Posso sentir a tensão que vem da ponta dos seus dedos

Garoto da rede, garota da rede
Mandem seus batimentos cardíacos pelo mundo


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


Vida real versus vida virtual

"Virtuality" é a oitava canção de Test For Echo. Após "Driven", "Half The World" e a faixa-título, foi escolhida para ser o quarto e último single desse trabalho. Sobre sua temática, o Rush sempre se colocou na vanguarda do pensamento tecnológico (fato evidenciado em várias das suas composições ao longo da carreira) e, fazendo uso de sua filosofia peculiar, se lança aqui na observação de alguns dos acontecimentos mais importantes que se consolidavam no cotidiano da sociedade da década de 1990: o advento e a popularização da Internet e as novidades em torno da realidade virtual, analisando seus efeitos para as relações humanas, principalmente entre os jovens.

Musicalmente, "Virtuality" se revela como uma poderosa composição rock. Totalmente isenta de teclados, traz fortíssimas influências da cena musical do período aliadas à pulsante e inconfundível assinatura da banda. As primeiras notas surgem urgentes e complexas, seguindo em versos de impetuosa energia sustentados principalmente por riffs notáveis de Alex Lifeson. Suas belíssimas pontes destacam belos diálogos entre baixo e bateria, com Geddy Lee novamente feroz em seu estilo flamenco acompanhado da pegada inconfundível de Neil Peart. O baterista oferece elementos interessantes, como percussões eletrônicas e a utilização de cowbells, que ajudam a evidenciar uma interessante e envolvente direção na já consagrada cozinha dos canadenses.

"Virtuality" ameniza seu peso com um refrão elegante e muito melódico, adornado por bases de violões e trabalhos vocais bastante consistentes, estes que dosam agudos agressivos e suavidade ao lado de overdubs milimetricamente planejados - componentes que trazem heterogeneidade ao material. A canção ainda reserva uma pequena seção instrumental que deflagra uma batalha musical, na qual é possível perceber pelo menos três baixos duelando com outras duas guitarras.

"Foi uma grande experiência captar o som do Fender de modo tão agressivo e confiante", diz Geddy. "Com Test for Echo, ao invés de tentarmos nos reinventar, buscamos na verdade nos 'desinventarmos', pois já estávamos muito felizes somente pelo fato de continuarmos juntos fazendo música".

"'Virtuality' é um tipo de canção pesada mas agradável, algo que adoro fazer"
, diz Lifeson.

Neil Peart escreveu a letra de "Virtuality" abordando em primeiro plano a experiência da Internet, lidando com as ciber-relações e a possibilidade das pessoas se comunicarem umas com as outras mais facilmente ao redor do mundo. Também focou na realidade virtual, tecnologia de interface avançada entre um usuário e um sistema computacional que traz como objetivo recriar ao máximo a sensação de realidade para um indivíduo. A tônica da música associa vários termos e elementos próprios da ciência e da informática com outras figuras concretas e naturais, a fim de abordar relações, ações, pretensões e desejos humanos, expondo o caráter ilusório de um ambiente incerto (um mundo invisível e distante fisicamente) e, ao mesmo tempo, tão perto virtualmente.

"Acho que fui me tornando um melhor compositor ao longo dos anos", declara Peart. "Ainda há muita metafísica e muitas metáforas abstratas em meus trabalhos. Esses materiais estão lá, mas aprendi a escrevê-los melhor em vários níveis, podendo também serem percebidos como simples declarações, caso o ouvinte prefira levá-los dessa forma".

Prosseguindo com o foco em Test For Echo, que trata primordialmente de preocupações globais, "Virtuality" oferece um olhar interessante sobre vidas sendo totalmente absorvidas por novas tecnologias. A segunda metade da década de 1990 foi marcante na ampliação do meio usual para trocas de informações, que passavam a ser processadas de forma rápida rompendo barreiras geográficas de espaço e tempo, permitindo compartilhamentos e dinamizando a cooperação e comunicação em tempo real. Esse desenvolvimento levou especialistas a especularem gradativamente sobre os possíveis rumos sociais que se desencadeariam com as novas ferramentas, e com Neil Peart não foi diferente. Com seu olhar irônico, o letrista pensou sobre os novos modelos de interação entre as pessoas e dessas com o próprio mundo, combinando o cenário com pensamentos tratados na faixa-título, que explorava a busca pelo eco - ou seja, pela afirmação.

"'Virtuality' é, sem dúvidas, um pouco sarcástica", diz Neil. "Utilizo novamente a primeira pessoa que agora diz, 'Posso fazer isso', 'Posso fazer aquilo' e 'A Internet pode fazer isso', tendo nas entrelinhas a voz da realidade: 'Não, você não pode'. Você não pode segurar o mundo em suas mãos, não pode salvar o Universo num grão de areia - não pode sentir o perfume de alguém e todas essas coisas. O personagem opera sob uma ilusão. Observo esses elementos e, ao mesmo tempo, afirmo a busca pelo 'eco' entre as pessoas - é ótimo dizer 'alô' e ouvir um 'alô'. Embora não ignore esse fato, não me sinto confortável quando o mesmo explode em ilusões".

"'Virtuality' deve ser entendida como uma sátira - algo ameaçado atualmente, como a ironia. Por isso utilizei esses exageros para tentar penetrar nos exageros dos que fizeram dessa coisa uma nova religião. Como 'Test For Echo', a canção traz um comentário silencioso em seu tema, um golpe generoso de ironia à espreita e por trás de todos os milagres que ela descreve".

"A música traz afirmações como 'I can save the universe in a grain of sand'
['Posso salvar o Universo em um grão de areia'] e, nas entrelinhas, claro, temos 'Não, você não pode'. Já outro trecho diz, 'I can smell her perfume, I can taste her lips' ['Posso sentir seu perfume, posso saborear seus lábios']. Claro que 'Não, você não pode'. Era aí que eu queria chegar. Passei muito tempo escrevendo e reescrevendo, a partir das minhas próprias pesquisas e também por Peter Collins, nosso co-produtor, que sempre quis me levar mais além. Foi então que cheguei aos 'astronautas' e às diferentes maneiras de descrever os marinheiros náufragos nas ondas. 'I'm a castaway, standed in a desolate land / I can see the footprints in the virtual sand' ['Sou um náufrago, encalhado em uma terra desolada / Posso ver as pegadas na areia virtual']. Particularmente, gosto dos dois vagabundos acenando para trens que passam. É o que realmente parece para mim - não se trata de um contato real. Por exemplo, amo escrever cartas - ainda é uma das minhas formas favoritas de comunicação".

Além da Internet, Peart expõe pensamentos sobre a realidade virtual, que também se popularizava na época. O mecanismo dessa tecnologia é aplicado à uma interface que conecta os usuários através de um sistema informatizado capaz de construir uma plataforma realista, proporcionando ao visitante sensações de que vive parte do real. Seu objetivo é projetar (ou simular) a realidade no ambiente virtual em tempo real, baseando-se em técnicas e ferramentas tecnológicas com o intuito de manipular as sensações do visitante. Historicamente, esse conceito é mais antigo, já que desde a década de 1970 o artista digital norte-americano Myron W. Krueger já utilizava termos como realidade artificial em seus estudos de combinação de computadores e sistemas de vídeo. Apesar de ter nascido anteriormente, foi apenas nos anos de 1990 que a mesma passou a integrar o mainstream.

"Penso que a realidade virtual nada mais é do que um jogo", explica Peart. "Como um viajante compulsivo, estive na Sicília recentemente e pensei sobre como alguém poderia capturar a província de Palermo na realidade virtual. Estive também na Tunísia e viajei bastante pela África Ocidental. Se eles tentam representar isso virtualmente, não conseguirão por exemplo reproduzir o mal cheiro de alguns desses locais, e se pudessem provavelmente não o fariam. São justamente coisas do tipo que tornam o ambiente real".

"Sei que não há meios ou esperança para muitos de visitar Palermo e, talvez, mesmo com todos os defeitos, a realidade virtual seria a única maneira pela qual essas pessoas poderiam chegar perto. Mesmo assim não acho que seria um bom caminho, pois a vejo como algo falso e não como uma esperança ou um substituto. É um subterfúgio pálido e que também tento desmistificar na música. Não suporto o que ocorre por exemplo com os desenhos da Disney, como O Corcunda de Notre Dame. Dificilmente alguém lerá o livro com a facilidade de acesso ao desenho animado. Há esse lado obscuro que finge coisas e que constrói parques temáticos ao redor do mundo. A realidade não é assim, e ninguém nunca poderá compreender de fato a África se não estiver lá (estando sujeito a contrair disenteria) ou andar por cidades cobertas de neve, lidando com elas. Se o indivíduo não dispõe de condições para visitar esses locais, é melhor que leia um livro que tente transmiti-los, como o meu Masked Rider. Acho que existem muitas maneiras de se transmitir as coisas, das quais certamente a imaginação precisa fazer parte, e a realidade virtual requer menos imaginação. Mais uma vez só estou instigando. Acredito em um monte de coisas - que teremos jogos maravilhosos, entretenimentos maravilhosos, e até mesmo na própria Internet".

"Mencionei Palermo por ser um local com um odor característico. Mesmo assim, gostei muito de lá. As pessoas são ótimas, o local em si tinha um encanto. Quando voltei para a cidade, depois de estar na Sicília o dia inteiro, pensei, 'Uau, esse local é sujo e fétido, mas é ótimo'. Ele me conquistou, apesar de suas falhas eventuais, e esse sim seria um caso de uma realidade repleta de realidade, onde os lados obscuros das coisas estão muito presentes, precisando serem suportados ou apenas envoltos em seu pacote de elementos. Todas essas questões de Palermo apenas tornam o local ainda mais encantador para mim. Gostei muito de lá, apesar de todos os seus problemas".

"Acho que será o vídeo game mais legal do mundo quando essas coisas estiverem disponíveis. Quando faço minhas viagens, pensando sobre como poderiam traduzir Palermo na Sicília ou Abidjan na Costa do Marfim para a realidade virtual, a primeira coisa que acho que fariam seria esquecer o cheiro, o lixo e a sujeira, tornando tudo disneyficado. Será o melhor dos vídeo games, mas não conseguirá aproximar a verdadeira experiência de estar nesses lugares. A realidade virtual não poderá te levar ao topo do Kilimanjaro, à Praça de Tiananmen ou ao coração do Saara. Nenhum desses lugares é acessível sem sofrimento. Para que eu finja uma maneira fácil de me aproximar desses locais, não poderá ser mais do que um livro, um filme ou um documentário de TV. Talvez você possa adicionar no futuro sons e cheiros, a sensação do vento e assim por diante. Isso seria ótimo, não tenho problemas com essas coisas - seria certamente uma grande experiência sensorial. Minha única discussão fica em torno das pessoas que tendem fingir que isso é tão bom quanto a realidade, e nada é tão bom quanto ela".

"O trecho 'I can smell her perfume, I can taste her lips, I can feel the voltage from her fingertips'
['Posso sentir seu perfume, posso saborear os seus lábios, posso sentir a tensão na ponta de seus dedos'] foi algo perfeito para me debruçar, pois aponta várias ironias que eu tentava transmitir. O que acontece em uma relação de e-mails é algo que requer imaginação, algo que é sempre chamado a fazer viver. Imaginação é uma coisa maravilhosa, mas também um pouco perigosa, pois pode ser um convite às ilusões. Adoro as imagens que se abrem nesse verso. Por exemplo, ver o rosto de uma mulher através de uma janela na chuva reflete uma imagem muito romântica. Tive essa experiência - a de ver uma mulher dirigindo um carro na chuva, e se eu estivesse dirigindo e visse uma mulher na rua também seria belo. É a mesma experiência quando desço de bicicleta por uma estrada e um carro passa - às vezes, posso sentir o cheiro do perfume da mulher lá dentro. Os elementos aqui trazem apenas um pouco de absorção sensível, e o resto que você adiciona é apenas imaginação. Tudo o que apontei nessa canção reflete apenas um pouco de romantismo imaginado, algo que não devemos fingir que é real. Você não pode sentir a tensão dos dedos dela, mas pode imaginar. Isso é tudo o que tentei dizer".

"Acho que a Internet é uma limitação pálida, assim como a realidade virtual é uma imitação pálida da realidade. A leitura de um livro ou o que rock significa para um adolescente são coisas mais profundas. Não há como a Internet replicar ou chegar perto disso".


Um dos motivos que levaram Peart a escrever sobre tais assuntos foi o episódio ocorrido no período em que acumulava a função de responder pessoalmente cartas enviadas por leitores da famosa revista Modern Drummer. Após uma pessoa mencionar essa atividade do baterista na Internet, o volume de cartas aumentou dez vezes, e o músico teve que abandonar o fluxo. A decisão replicou em um número considerável de críticas na grande rede da época, e até mesmo dos leitores.

"Em relação às minhas 'escoriações' nas páginas da Modern Drummer, só posso dizer que estava de fato chocado por ter sido tão difamado, ao invés de receber pedidos de desculpas. Fiquei igualmente surpreso e decepcionado que uma 'heresia' dessas tenha sido considerada mais importante do que, por exemplo, aqueles vinte anos que respondi todas as cartas - só para ser legal e por mais nenhuma outra razão. É claro que não há ninguém para culpar fora a mudança dos tempos, mas as pessoas não deveriam ser cegas sobre as consequências que todas as mudanças sempre acarretam. Não consigo pensar em nada que seja de todo bom ou ruim, coisa que me parece que só os fanáticos acreditam. É como a religião, que sempre se mostra como um assunto que não permite qualquer infiel, especialmente os infiéis sorridentes".

Geddy Lee, apesar de cantar as letras escritas por Peart, discorda do ponto de vista do seu companheiro de banda.

"Não compartilho dessa visão cínica de Neil sobre a Internet. Acho que o incomoda nela é o fato de ser utilizada, na maioria das vezes, como uma grande rede de fofocas. Vejo os problemas que ele trata na canção de vez em quando. Mesmo ficando preocupado, acho que é uma ótima forma de comunicação e a utilizo muitas vezes. Há um monte de coisas lá fora que você pode ter na ponta dos dedos. É muito útil".

"Acho que Neil é mais cético do que cínico sobre a pressa em alcançar os benefícios na Internet. Não posso dizer que concordo com ele nessa frente. A canção 'Virtuality' lida com isso. Por um lado, não concordo com o que ele diz na música, e por outro meio que entendo seu ponto de vista. Assim, posso fazer a canção, apesar de não concordar com ela totalmente. Há um aspecto na Internet que, como qualquer coisa, pode sofrer abusos, e pode ser perda de tempo. Mas os benefícios são enormes. Se você estiver pesquisando algo, estará lá. Não tenho problemas com ela. Utilizo muitas vezes para acompanhar os placares do beisebol
[risos]. Acho que, se você tem alguma razão para usar a Internet, é fantástico".

"Neil teve uma experiência com isso, onde um rumor quase se tornou um fato"
, continua Geddy. "Você fica falado por várias pessoas muito rapidamente. Por exemplo, nossa reação ao álbum tributo foi muito distorcida e mutilada pelas conversas de Internet (N. do T.: Working Man - A Rush Tribute, lançado em 1996). É assustador. O álbum saiu e havia rumores de que estávamos processando pessoas, e que estávamos chateados com os músicos envolvidos. Nunca dissemos nada disso - o fato foi totalmente deturpado. Na verdade, fizemos apenas uma pergunta: é realmente um tributo ou alguma gravadora querendo explorar nossos fãs? Desde então surgiram essas porcarias".

"De certa forma, 'Virtuality' se mostra como uma continuação para 'Vital Signs'
(N. do T.: do álbum Moving Pictures, de 1981)Nós mesmos fomos apanhados pela tecnologia, e fomos vítimas da nossa própria crítica de certa forma. Caímos na armadilha e fomos levados por ela na composição das nossas músicas, mas tudo sempre foi aceitável sob o pretexto da música experimental que fazemos, mesmo acessível. É uma experiência que se passa conosco durante a realização de cada disco. Não há um caminho direto para o sucesso com todos os discos, não há uma cópia azul - você nunca sabe o que irá acontecer".

Peart sempre foi um grande fã do clássico Star Trek, franquia de entretenimento norte-americana criada pelo roteirista e produtor de televisão Gene Roddenberry (1921 - 1991) no final da década de 1960, e um dos assuntos em "Virtuality" traz lembranças do chamado Holodeck, uma das tecnologias futuristas apresentadas na série e que era considerada uma das mais poderosas em termos de ilusão sensorial. Consistia em um cubo negro e vazio, coberto por uma grade de linhas brancas, sobre o qual um computador poderia projetar simulações elaboradas, combinando holografia com campos de força magnéticos e conversão de energia em matéria. Dentro do Holodeck o usuário não lia a história - participava dela. E, diferentemente do distanciamento da tela do computador ou da ilusão óptica de um cinema 3D, ele poderia tocar e interagir materialmente com os personagens.

"O Holodeck, exatamente. Era maravilhoso, e é por isso que não sou totalmente reacionário com essas coisas. Vejo essas maravilhas sem nenhum problema, pois são muito bacanas e divertidas. É que a diferenciação entre realidade e realidade virtual, como disse antes, pode não ser tão boa ou tão ruim. Tive muitas experiências desagradáveis em várias partes do mundo que poderiam ter sido um pouco disneyficadas para meu usufruto, mas o fato é que as coisas são dessa forma. Isso é parte da experiência: o sofrimento de chegar nesses lugares e o que você tem que suportar neles".

"Um simples olhar para o meu kit de bateria mostra que não sou anti-tecnologia. Estou olhando para uma tela de computador agora enquanto digito essa resposta. Vejo pela folha de teste da impressora que mais de dez mil pedaços de papel saíram dali com o passar de oito ou nove anos, e todas essas dez mil páginas foram escritas com a finalidade de me comunicar com as pessoas, em um nível ou outro. É lamentável que tantas árvores tiveram que morrer para os meus pecados, mas por outro lado elas vieram de celuloses provenientes de choupos que foram plantados para isso, e não de sequoias majestosas e madeiras da floresta tropical. Adoro o poder das palavras no papel. Com todas as maravilhas tecnológicas do mundo atual, ainda não foram capazes de sintetizar a madeira (pensando na bateria e nas baquetas) e o papel".

"Através da ironia ou não, consegui a mensagem da música em si. Geralmente me envolvo com qualquer coisa nova que aparece, passando algum tempo me rendendo e explorando para ver o que pode fazer. Não pude resistir em cutucar um pouco de diversão nessas pretensões".

"Quanto ao futuro, não me atreveria a prever. As maiores alterações nos tempos modernos nunca teriam sido previstas há vinte anos por qualquer pessoa - o desmantelamento do Muro de Berlim, o colapso da União Soviética, a ascensão da minivan e, certamente a propagação desse 'pomo de discórdia': a Internet".


"Virtuality" traz ainda uma interessante influência literária. Peart visitou o poema Augúrios de Inocência (Auguries Of Innocence), escrito pelo inglês William Blake (1757 - 1827) em 1803 na estrofe de abertura. "To see a world in a grain of sand, and a heaven in a wild flower, hold infinity in the palm of your hand, and eternity in an hour..." ("Ver um mundo num grão de areia, e um céu numa flor do campo, capturar o infinito na palma da mão e a eternidade numa hora...") inspirou a frase "I can save the universe in a grain of sand, I can hold the future in my virtual hand".

Mesmo arriscando em uma canção que a princípio reflete um momento histórico muito específico, a proposta de "Virtuality" também pode suscitar pensamentos atemporais e observações sobre o homem como o único responsável por rever e reavaliar o encaminhamento do desenvolvimento tecnológico, seguindo adiante com todas as inovações que lhe possam ser úteis e examinando os riscos que ameaçam despersonalizar a si mesmo e descaracterizar o ambiente em que vive. A construção de uma nova sociedade tecnológica necessita de homens críticos e criativos, capazes de entender e direcionar de forma responsável o processo de mudanças que ocorrem em ritmo cada vez mais acelerado. As décadas passam e a confusão entre esses dois mundos continua, cada vez mais intensa. O que teremos a seguir? Pode ser que "Virtuality" nos ajude a elucidar daqui há alguns anos.

© 2016 Rush Fã-Clube Brasil

ROBINSON, J. "'Test For Echo' World Premiere". Chicago's Wksc-Fm, September 5, 1996.
MYERS, P. "Rush Put Themselves To The "Test" / (And End Up Even Closer To The Heart)". Canadian Musician. December / 1996.
STREETER, S. "A Show Of Fans Speaks With Geddy Lee" and "Ask Big Al" (Installment Two). A Show Of Fans #15. Fall 1996.
STREETER, S. "Live On Paper! - The Steve Streeter And Neil Peart Interview". A Show Of Fans #17. Summer 1997.