ENTREVISTA COM GEDDY LEE PARA A REVISTA BLENDER



26 DE MAIO DE 2009 | POR VAGNER CRUZ

A edição abril/2009 da revista Blender (a mesma que em 2008 elegeu Neil Peart como o segundo pior letrista do rock de todos os tempos) trouxe Geddy Lee para sua coluna Dear Superstar, na qual os leitores fazem perguntas (geralmente cômicas e provocativas) aos seus artistas favoritos. O bate-papo acabou rendendo quatro páginas com 17 pontos que foram devidamente respondidos por Geddy. Acompanhem os melhores trechos:

Geddy Lee voltou para casa para descansar. E continuará por lá amanhã. Aos 55 anos, o vocalista e baixista do Rush está se recuperando de uma cirurgia no joelho em decorrência de um acidente numa partida de tênis, necessitando de cuidados diários oferecidos gratuitamente pelo ótimo sistema de saúde do Canadá.

Os integrantes do Rush são senhores de meia-idade: Lee é um colecionador de vinhos que geralmente joga tênis num clube em Toronto com o guitarrista Alex Lifeson (que também é proprietário de um campo de golfe). Ele viu recentemente uma foto de Neil Peart mostrando claramente que o baterista ganhara alguns quilos desde o fim da turnê Snakes & Arrows. Curiosamente, 35 anos depois do primeiro álbum, esse é o momento do Rush.

Hoje a temperatura mais alta em Toronto é de -5º, e a neve cai continuamente. A filha adolescente de Lee encabeça o ensaio do musical Fiddler on the Roof (Um Violino no Telhado) em sua escola secundária, e seu pai manca ao redor da mobília de uma moderna sala de estar, passando por um piano e por garrafas de vinho Two Buck Chuck vazias, com rótulos desgastados. Os fãs do Rush trouxeram algumas perguntas bem tolas para ele responder. "E você escolheu as mais tolas", rapidamente percebe.


Como é ser o maior músico de todos os tempos, tocando na maior banda da história dos homens?

Que drogas você anda usando, cara? Elas estão por cima ou por baixo dos panos? [risos]

Às vezes ouço minha voz quando era jovem e ela me faz rir, pois eu cantava como um personagem de desenho animado. É como uma fotografia antiga: caramba, o que eu estava pensando? Porque eu usava um rabo de cavalo que parecia um chapéu de pele de castor? No nosso período oitentista, fizemos uma canção chamada "Tai Shan", usando um poema que Neil escreveu sobre escalar uma montanha da China. Quando ouço aquilo é como, bzzt - erro. Devíamos ter percebido antes.

"E sobre a voz de Geddy Lee? Como ele consegue ir tão alto?" - Há uma letra da banda Pavement ["Stereo"] que fala isso. Sempre tive uma voz aguda - cantei durante um ano num coral da escola, e era tenor. O Rush foi moldado por bandas como Blue Cheer, The Who, Led Zeppelin e Humble Pie - todas tinham vocalistas estridentes. As pessoas sempre me contam que ficaram chocadas quando ouviram minha voz enquanto falava. Isso é estranho? [falando com falsete]. O que esperavam? Não posso falar desse jeito 24 horas por dia. Só o Mickey Mouse pode.

Que canção do Rush tem o vocal mais agudo?

Oh Deus! Há momentos no Hemispheres que são bem altos. Tentamos ensaiar "A Farewell To Kings" na última turnê, mas não pude cantá-la bem sem me machucar. Assim, desistimos. Há momentos do passado que não posso mais cantar. Tocamos "2112" um tom abaixo hoje em dia, pra manter minha garganta sem queimá-la.

Você é canadense e judeu. O que mais você tem de canadense e de judeu?

As duas coisas mais canadenses que tenho são minha voz suave e minha palidez. As duas coisas mais judaicas são meu nariz e meu senso de humor. Sou um tipo de judeu ateu: acho linda a beleza racial do judaísmo, mas não creio que necessariamente ser judeu tem haver com fé em Deus. A única vez que rezei foi numa quadra de tênis.

Acho que te vi no aeroporto em Baltimore há um ano atrás... não tenho certeza. Como posso saber se era você mesmo?

Eu pareço mesmo com o Geddy Lee, embora seja bastante confundido com Bono - desculpe por isso, Bono. O pessoal latino sempre pensa que sou o Ozzy Osbourne. "Ei cara, obrigado por Iron Man". Acho que é por causa dos óculos e do cabelo.

Você cantou o rap na canção-título do álbum Roll the Bones, de 1991. Numa escala de Vanilla Ice a Lil Wayne, como você se classificaria como rapper?

Não conheço muito bem o Lil Wayne. Não pensamos nessa canção como um rap - pensamos como uma comédia. Queríamos o John Cleese [do Monty Python] fazendo essa parte, mas ele não estava livre. Sendo eu o cara judeu e o mais funk numa banda de canadenses brancos, fui a escolha óbvia.

É verdade que você foi campeão de boxe sem luvas (ilegal)? É um rumor que vi online.

Não, foi um boato que rolou. Tivemos isso numa lista de boatos no nosso site. Sempre há uma oportunidade de ser bobo, sabemos disso, mas só nesses últimos anos temos mostrado um pouco mais desse nosso lado cômico, aproximando isso do palco e dos nossos filmes. Nosso novo lema é: "Menos música, mais comédia". Recebemos um e-mail sobre a aparição no Colbert Report: fãs ficaram indignados porque ele interrompeu o solo de guitarra vindo para o palco pra fazer comédia.

Em "Cygnus X-1: Book II", Cygnus é realmente a força do equilíbrio entre Apollo e Dionysus ou é apenas o Dionysus disfarçado?

Já nem me lembro. Deus, isso foi há muito tempo.

O que você diz bem no finalzinho de "I Think I’m Going Bald"? Parece algo como "Vá pro inferno, John Cougar".

Novamente não me lembro, mas garanto que não é "Vá pro inferno, John Cougar". Escrevemos aquela letra pra zoar com o título de uma canção do Kiss, "Goin' Blind". Era o nosso senso de humor idiota.

Saímos com o Kiss na primeira turnê americana em 1974, quando ninguém nos conhecia. Foi uma boa experiência, pois eles trabalhavam duro pra fazer aqueles shows e aprendemos bastante observando tudo aquilo. Éramos três canadenses bem jovens e muito tímidos, e participar dos bastidores desses caras foi como abrir os olhos.

Vocês receberam a Ordem do Canadá nos anos 90. Isso dá direito a quê?

Posso prendê-lo por me fazer essa pergunta [risos]. É como um prêmio por ser um bom cidadão - eles te dão duas medalhas, uma grande e uma pequena. Ela traz respeito, e é por isso que uso ela em casa, principalmente no meu quarto durante à noite. É importante ter respeito por lá - assim uso logo a grande.

Seus pais são sobreviventes do Holocausto. Como eles se conheceram?

Quando os nazistas vieram para a cidade polonesa onde minha mãe vivia, eles mantiveram os judeus num gueto, fazendo-os marchar para um campo de concentração. Meu pai era de um lugarejo diferente, mas estava no mesmo campo. Eles tinham 12 ou 13 anos quando foram enviados para Auschwitz. Meu pai subornava os guardas para conseguir sapatos ou comida, pequenos sinais de afeição por minha mãe. Os dois se apaixonaram naquele ambiente horrível. Depois da guerra, quando ela foi transferida para Bergen-Belsen, se convenceu de que ele tinha morrido. Meu pai fez questão de encontrá-la.

Nós crescemos muito conscientes sobre o Holocausto. Minha mãe tem 83 anos e ainda hoje fica louca se eu sair deixando uma porta destrancada. Sobreviventes do Holocausto nunca se sentem realmente seguros. Eles sempre acham que aqueles soldados irão voltar. Tive sorte por ter meu pai durante 12 anos, e minha mãe continua forte aos 83.

Será que o aquecimento global trará algum efeito negativo sobre o habitat natural do Snow Dog?

Como você pode ver, o aquecimento global é uma treta. Olhe da minha janela! Estou movendo uma ação judicial contra o Al Gore.

Como você passa o tempo durante os solos de bateria do Neil?

Vou bem rápido ao banheiro e na volta paro para ver o resultado dos jogos de beisebol no meu computador. E sempre tenho o solo no meu fone de ouvido - então, não esqueço de voltar para o palco.

Primeiro foram as secadoras, depois as máquinas de alimentos, e agora as assadeiras. O que mais vem por ai?

Na verdade, essa é uma pergunta sobre meus amplificadores de palco. Numa certa ocasião, observei que Alex tinha um grande número de amps e eu tinha poucos. Então pensei, "Há uma oportunidade para uma piada aqui, pra zoar com os amps dele". Queria tocar também na frente de algo grande e, no fim das contas, resolvi optar por uma geladeira retrô, no estilo anos 50. Depois vieram as secadoras - daquelas antigas que você pode ver o que tem dentro dela. Todos os anos, tentamos encontrar algo novo.

Você acha que a banda vai tocar novamente "The Fountain of Lamneth" ao vivo e inteira?

Não, acho que não. É obscura e sei que nossos fãs adoram coisas obscuras. Foi a nossa primeira tentativa de algo conceitual que tomasse todo o lado do disco na época, e achamos que realmente não mandamos bem. Não acho que essa canção tenha ficado de pé. Mas já falei antes sobre tentar canções antigas, procurando encontrar uma maneira de recuperá-las ou melhorá-las.

Nunca vi você falar sobre os vinhos da Califórnia ou do Oregon. Você deve ter alguma coisa de lá na sua adega?

Sim, tenho. Sou um aficionado por vinhos europeus: vinhos Riesling franceses, alemães e austríacos, vinhos do norte da Itália. O melhor vinho que já tive foi um Musigny da Compte de Vogüé de 1945 - um amigo me ofereceu para provar. Foi espetacular. Na verdade, roubei a garrafa.

Quem venceria num desafio de abdominais: Alex, Neil ou você?

Neil é um grande filho da puta. Veja só, vi uma foto dele recente - ele está se divertindo bastante nas férias. Acho que poderia ganhar dele agora.

A Blender elegeu Neil Peart como o segundo pior letrista de todos os tempos. Em nome dos fãs do Rush, você vai bater em alguém da revista?

Respeito a opinião do artigo, mas bateria em alguém da Blender se fosse violento. Se Neil Peart é violento? Não posso garantir.

Como posso ter o Rush tocando na minha festa de aniversário?

Você não pode [risos]. Mesmo assim feliz aniversário!