ENTREVISTA COM O PRODUTOR DE VAPOR TRAILS REMIXED



28 DE OUTUBRO DE 2013 | TRADUÇÃO LEO SKINNER / REVISÃO VAGNER CRUZ

O produtor canadense David Bottrill foi o responsável direto na concepção do recente Vapor Trails Remixed, a nova e aguardada versão para o álbum do Rush lançado originalmente em 2002. Bottrill conversou com o site PopDose.com na primeira quinzena de outubro, e você poderá conferir a entrevista completa e traduzida aqui no Rush Fã-Clube Brasil.

ENTREVISTA THE POPDOSE: DAVID BOTTRILL EM VAPOR TRAILS REMIXED DO RUSH

Entre 1997 e 2002, o futuro do Rush parecia incerto. As recentes mortes da esposa e filha de Neil Peart o deixaram sem qualquer desejo de continuar com a banda. Ele anunciou sua saída à Geddy Lee no funeral da esposa, embarcando portanto em um retiro de dois anos do mundo em sua moto, numa tentativa de curar as profundas feridas deixadas pelas mortes de Selena e Jackie.

Em 2001, Peart estava pronto para trabalhar novamente. Ligou para Geddy, comunicando que era a hora de conseguir um emprego lucrativo, falando sobre reunir a banda novamente. E foram 14 meses desde a primeira reunião, até escrever e gravar Vapor Trails (17º álbum de estúdio do Rush). Totalmente auto-produzido (com alguma assistência do amigo de longa data Paul Northfield), o álbum marcou o retorno de uma das bandas mais duradouras do rock progressivo.

Porém, depois de tanto tempo e trabalho com o álbum, o mesmo causou efeitos sobre os integrantes do Rush. Eles mesmos admitem que perderam a perspectiva e, por pura pressa, não prestaram atenção a certos atributos da produção. O resultado foi um álbum masterizado em um nível tão alto que, nas palavras do próprio Lee, caracterizou-se por uma gravação que "passou do ponto". Distorção, "clipping" (fenômeno musical que causa saturação da onda sonora) e um som turvo invadiu o disco. Os fãs do Rush ficaram surpresos, pois sempre foram uma banda que se orgulhava de si mesma por produzir álbuns onde cada instrumento poderia ser ouvido com clareza e precisão, e esses elementos estavam perdidos aqui. Vapor Trails foi uma decepção para muitos fãs devido às músicas terem sido enterradas sob uma lama sônica que causou essa dificuldade de se conectar. Os membros do Rush também não estava felizes com a gravação mas, por várias razões, resistiram em voltar atrás para corrigir as falhas do álbum... até agora.

É difícil dizer, mas talvez porque o Rush esteja entrando num ponto em que definem sua caminhada como uma carreira, a banda quer ter certeza de que um disco que nenhum dos três consegue ouvir seja remixado do modo que eles queriam que soasse em 2002. E aquele integrante que não consegue ouvir o registro (mesmo que tenha tentado) é Peart. Ele diz que ouvir o álbum traz à tona a dor emocional de suas perdas familiares, então preferiu não fazer parte do projeto de remixagem. Além disso, o Rush estava em tour de divulgação de Clockwork Angels, e Geddy e Alex entenderam que era a melhor hora de entregar o projeto para uma alma confiável que pudesse insuflar uma nova vida a Vapor Trails, enquanto estivessem longe de sua base.

Conheça o produtor de longa data, amigo canadense e alma confiável David Bottrill. Ele esteve na pequena lista original para produzir Vapor Trails em 2002 e, onze anos depois, Geddy e Alex o convidaram para remixar o álbum. Quando as notícias do projeto saíram, muitos fãs do Rush expressaram entusiasmo pelo registro. Por anos esperaram que a banda pudesse reparar Vapor Trails, já que o trabalho foi visto como doce e azedo por uma série de razões. Doce por que o Rush não desativou seus instrumentos desistindo da banda, e azedo pelos problemas de produção mencionados acima que o assolaram. Bottrill tinha um grande projeto nas mãos, mas aceitou o desafio de produzir Vapor Trais Remixed - um álbum que é livre de qualquer problema de masterização do original, repleto de maravilhas e sutis surpresas musicais.

Ted Asregadoo e Chris Holmes do site Popdose tiveram a chance de conversar com Bottrill sobre seu trabalho em Vapor Trails Remixed.


Ted: Antes de entrarmos no matagal de Vapor Trails Remixed, vamos deixar clara a diferença entre mixar / remixar e remasterizar um disco.

David: A diferença entre mixar e remasterizar é a seguinte: para mixar uma música, você pega todo o material bruto alterando o tom, volume e efeitos a fim de balancear as faixas. E depois mistura cada elemento para fazer uma mixagem satisfatória. Masterizar é pegar esse resultado e balancear os canais estéreos, dar um tom final e ajustar os volumes.

Chris : A reação dos fãs que vi até agora na internet sobre o remix tem sido extremamente positiva. Você já espiou por aí para ver o que estão dizendo ou evita ler esse tipo de coisa?

David: Eu li algumas coisas. Você não pode agradar a todos, mas acho que a maioria está feliz com isso. Se fosse apenas uma remasterização, acho que não teria sido atendido todo o desejo que os fãs têm de ter algo novo. Ouvi alguns dizendo que está sendo como ouvir um novo álbum do Rush. Isso é um grande elogio e eu estou muito feliz em ter ajudado a banda a completar este projeto a seu gosto.

Ted: Geddy Lee conversou com a Rolling Stone (confira a entrevista traduzida) sobre seu potencial envolvimento com o Vapor Trails há 11 anos atrás. Eles iriam chamá-lo para produzir, mas não quiseram introduzir nada novo ou potencialmente desconfortável para Neil naquele tempo. Então trabalharam no álbum junto com Paul Northfield. Você sabia que eles estavam interessados em trabalhar com você na época?

David: Sim, conversamos algumas vezes e tivemos alguns jantares para discutir essa possibilidade. Passei um dia com eles no estúdio, mas foi apenas isso. Em retrospecto, eu teria adorado trabalhar com eles na época, mas acho que provavelmente foi a melhor decisão não ter um novo elemento no meio de trabalho deles. Eu não gostaria de ter sido parte da razão pela qual essa grande banda fosse incapaz de se revitalizar.


Chris: Você estava ciente da onda de apoio dos fãs para um remix de Vapor Trails, nascida logo após o lançamento do álbum?

David: Estava ciente de que o álbum não teve a sonoridade favorita dos fãs do Rush. Espero ter sido capaz de corrigir isso para alguns deles mas, como disse, você não pode agradar a todos.

Ted: Ao se aproximar de um álbum para um remix completo, é como se você estivesse lidando com uma pintura que precisa ser restaurada. Assim que você começou a retirar as camadas para iniciar o remix, parece que descobriu que haviam cores e nuances que a banda havia incluído originalmente que, em decorrência da masterização ser tão "cozida", foram queimadas. Assim que você ouviu essas camadas gravadas por eles, que tipo de ideia teve para o remix? Você ficou dividido entre melhorar o que já estava lá ou quis apresentar uma mixagem completamente diferente das músicas? Quantas interações você teve com Geddy e Alex até eles dizerem "Soa ótimo!"?

David: Quando abordo qualquer mixagem, faço uma referência leve à anterior - para encontrar o balanço ou tonalidades que um cliente específico possa gostar. Mas, nesse caso, estava ciente de que a banda não estava feliz com a mixagem final que tinham, então apenas a abordei com frescor, com uma pequena referência ao original. Minha filosofia era de que eles não gostaram do que tinham, então poderia trabalhar com o material final que me deram e fazer o que achei que iria funcionar melhor para cada som. A primeira mix foi a mais demorada de completar, e durou por alguns dias. Uma vez que conseguimos o que queríamos, a banda somente citou alguns pequenos ajustes ou sugestões naquilo que eu havia apresentado a eles.

Chris: Geddy ou Alex lhe deram alguma orientação específica antes do projeto começar ou no decorrer da evolução?

David: Havia uma pequena direção diferente antes de começarmos. Eu fiz uma mix teste para eles, da mesma forma que os outros engenheiros e produtores. Eles gostaram da maioria, mas acho que queriam trabalhar comigo há algum tempo, e talvez por isso a opinião deles em relação a minha mix foi oposta à dos outros. Acho que Andy Curram, que trabalha com a banda e que também é meu amigo, influenciou para que eu fizesse essa remixagem.

Ted: Percebi que você trabalhou na separação dos vocais de Geddy, com aquelas linhas duplas ou triplas podendo ser ouvidas mais claramente. Não tenho certeza se estou ouvindo coisas, mas você adicionou alguns takes vocais para algumas canções?

David: Nada de novo foi adicionado, a banda não estava presente para a mixagem já que estavam a maior parte em turnê, assim não teria oportunidade de fazer qualquer tipo de gravação. Quando eu mixo, a clareza é prioridade para mim - sempre quero que as criações e performances dos músicos sejam ouvidas.

Chris: Como foi abordar esse projeto, o oposto de produzir ou mixar um álbum com o qual você estivesse envolvido desde o primeiro dia?

David: Quando sou contratado para mixar algo que não vou produzir, não há um apego a qualquer performance ou som que o artista tenha criado. Isso permite uma liberdade que é difícil de se ter quando você trabalha naquilo desde o primeiro dia. Posso utilizar performances que estavam lá, mas que não foram aproveitadas, ou posso mudar o equilíbrio fundamental sem nenhum preconceito adquirido desde a produção.

Ted: Percebi que você trouxe à tona algumas partes de guitarra enterradas e omitidas, presentes em "Ceiling Unlimited". Alex e Geddy deixaram essas partes de fora na versão original, por que você as incluiu?

David: Soou bom para mim e, como disse, apenas trabalhei com o material que me deram. Francamente não chequei as originais para observar o que foi utilizado ou não. Gostei daquele solo e o inseri. Acho que muitas pessoas não reclamaram dele. Quando uma gravação é realizada, muitas vezes há coisas que são gravadas e deixadas de fora. Não tive nenhum apego com as mixes antigas ou com o que foi deixado de lado. Apenas utilizei o que achei que iria funcionar melhor. Acho que não deixei muita coisa de fora das faixas que eles me deram, não havia um grande plano para as mixes. Tentei fazer com que todos os sons brilhassem o tanto quanto pudesse. Vi algumas notas na imprensa falando que as faixas foram distorcidas no processo ou que houveram novas gravações. Nenhuma delas é verdade. As gravações originais são de qualidade superior, e não adicionamos nada de novo a partir delas.

Chris: Você está ciente de que há um precedente para algo como esse, quando a banda e seus fãs expressam bastante descontentamento com a sonoridade do disco a ponto de tirar um tempo para refazê-lo?

David: Acho que é uma situação bastante única, mas não se trata do quanto a banda se preocupa com seus fãs querendo que eles estejam satisfeitos. Também acho que eles mesmos não estavam tão felizes com o resultado final o quanto gostariam que ficasse. São grandes canções e eu estava tentando ajudá-los a percebê-las como as queriam na época. Todos têm que lembrar que este foi um período muito estressante para a banda, e foi realmente uma dádiva a capacidade de resistência e de serem capazes de continuar como uma banda acima de tudo. Na época em que o projeto foi feito, havia algo ocorrendo conhecido como "volume wars", e ele sofreu com essa filosofia de gravação e mixagem. Felizmente, acho que agora estamos além disso.


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