NOVO TEXTO DE NEIL PEART E ENTREVISTA COM GEDDY LEE



16 DE JUNHO DE 2015 | POR VAGNER CRUZ

Trazemos dois materiais muito interessantes surgidos nos últimos dias: um novo texto de Neil Peart em seu site oficial e uma boa entrevista com Geddy Lee para o jornal Montreal Gazette. Confiram os melhores trechos, com a preciosa colaboração e tradução de Leo Skinner.


Neil Peart publicou no começo da semana um novo texto em seu site oficial. Intitulado "Backstage Byways", o baterista fala sobre suas viagens durante a primeira perna da turnê R40, além de trazer muitas informações sobre os planos e preparativos da mesma, mostrando um panorama geral de como a banda decidiu montar e planejar seu novo setlist.

A noção de "mágica planejada" se enquadra muito bem na história para essas jornadas - a turnê de quarenta anos do Rush, ou "R40". Porque se há alguma coisa que uma banda quer entregar ao seu público o mais rápido possível é mágica, mesmo que apontar para essa elevação leve definitivamente à reflexão. A turnê nasceu em uma reunião que tive com os Caras do Trabalho e com nosso gerente Ray em Toronto no começo de novembro - quando concordei em fazer três meses de turnê e trinta e cinco shows. O trabalho de construir esses shows foram construídos em uma intensidade cada vez maior ao longo de cinco meses.

E "construir" o show é como começou a ser sentido, por trabalharmos com o conceito de uma apresentação cronológica reversa, empregando habilidades de vários artistas de encenações teatrais e artes em vídeo (um dos prazeres da nossa profissão é dar a outros artistas a oportunidade deles fazerem o seu melhor trabalho). Finalmente nosso circo itinerante preenche onze caminhões, transportando sessenta e duas pessoas em cinco ônibus, duas motocicletas e um jato fretado.

Logo na primeira reunião de novembro, as sugestões de canções dispararam entre nós três. Precisávamos refinar uma lista por razões de produção e para nos preparamos para tocá-las. Concordamos com bastante facilidade sobre as que poderíamos retirar por um tempo, assim como as que nós tocamos recentemente e as "indispensáveis" (os fãs sabem quais são!). Desenterramos algumas descobertas do passado, como "How It Is" de Vapor Trails (2002), que nunca tocamos ao vivo, e "Jacob's Ladder" de Permanent Waves (1980), nunca tocada desde sua turnê - há meros trinta e cinco anos!

Conforme eu via a forma que o setlist e a produção iam se desenvolvendo, e ouvindo algumas canções do final da década de 70 que estávamos considerando, tive um pensamento lunático que primeiro me provocou um sorriso, e depois um aceno afirmativo com minha cabeça. "Sim, tenho que fazer".

E se além de usar a interação atual do meu setup "moderno" eu trocasse durante o intervalo para uma réplica do meu kit Slingerland preto-cromado que usava no final da década de 70? Bumbo Duplo, tons abertos, ergonomia ruim e tudo isso?

Neil também fala sobre a experiência de ter sua filha de cinco anos em seu primeiro show do Rush, em Nova Orleans:

Nova Orleans foi um "intervalo" bem vindo, de todas as maneiras. Michael e eu tiramos três dias de folga das motocicletas enquanto visitei Carrie e Olivia. Todos nós curtimos aquela ótima cidade, comendo bem e caminhando pelo bairro francês (embora aparentemente historicamente, seja mais espanhol do que francês).

Foi o primeiro show do Rush para a Olivia, e ela adorou. Pensei que ela ficaria por um som ou dois, mas ela dançou e fez air-drumming do começo ao fim. Ray, nosso gerente, arrumou uma "caixa" para elas, ficando acima de tudo, e Olivia não conseguia acreditar em todas aquelas pessoas.

"Deve ter duas mil dezoito pessoas", ela disse.
Ray riu e disse a ela, "Na verdade tem quase onze mil!"
Olivia olhou intrigada, "Todos estão aqui para ver meu papai, o Tio Alex e o Tio Geddy?"
Quando Ray confirmou que sim, ela disse, "Isso é um absurdo".
Então ela perguntou, "Eles sabem que ele é meu papai?"
Ray sorriu e respondeu, "Provavelmente sabem".

Durante o intervalo ela veio no backstage e correu até mim, com os braços abertos para pegá-la, ainda usando seus "defensores de ouvido" vermelhos, enormes. Ela estava tão animada que saltou em meus braços. "Papai! Foi ótimo! Só não gostei do barco afundando" (do vídeo de "The Wreckers", para ela é um eco do começo obscuro de Frozen, um filme que ela acha insuportável com razão) "e da explosão!" (As explosões e fogos de artifício em "Far Cry").


Na última semana, Geddy Lee conversou com o jornal canadense Montreal Gazette, também falando sobre a turnê R40 e dos planos futuros do Rush.

Sendo apenas um pedante idiota: uma vez que o primeiro álbum do Rush foi lançado em 1974, houve alguma intenção de chamar essa de "turnê de aniversário de 41 anos"?

(Risos) Sim, houve. Mas '40' pareceu mais adequado.

Você mede o progresso da banda de acordo com esse tipo de marco?

Na verdade não. Tento não pensar sobre mim mesmo nesse tipo de contexto de grande porte, é uma forma estranha de se pensar. Apenas tento pensar sobre isso nos termos do que ainda resta a ser feito, e quando eu olho pra trás me orgulho muito do que fizemos. Mas é um contexto enorme para se ponderar, eu acho.

Então o que você acha que resta a ser feito, sendo esse é o seu padrão de medida?

Bem, se essa turnê é alguma indicação, estamos tocando muito, muito bem juntos, e estou muito orgulhoso do show que estamos trazendo nela. Ele nos dá uma oportunidade de passarmos por tudo o que fizemos nos últimos 40 anos, e eu ainda sinto como se tivéssemos um charme. E, mesmo que não tenhamos nenhuma ideia sobre o que o futuro guarda para nós, continuo otimista.

Fico feliz em ouvir isso, pois muitos fãs - eu me incluindo - enlouqueceram quando a turnê foi anunciada, com a notícia de que essa provavelmente seria a "ultima turnê dessa magnitude" se espalhando.

Sim. Bem, acho que isso provavelmente seja verdade - e as palavras-chave são "turnê dessa magnitude". Todos na banda tem um tipo de atitude diferente referente a isso. Digo que estou otimista - não tenho certeza se meus companheiros de banda e amigos se sentem exatamente da mesma forma. Acho que você tem que pensar nisso da forma que é - é meu ponto de vista, não necessariamente da banda.

Você está disposto ou é capaz de falar pelos outros dois e o que você sente sobre suas perspectivas?

Acho que está em fluxo, para ser honesto. Acho que antes da turnê começar, havia um clima de decisão sobre o fim da vida na estrada. Sei que aproveitamos muito. Não houve nenhuma queixa, tocamos muito, muito bem. Talvez isso tenha mudado, mas eu não me sinto confortável para falar pelos outros dois caras.

Afinal, a turnê quase não aconteceu? Lembro que, no ano passado, Alex parecia estar interessado em fazer algumas datas comemorativas e depois, no fim das contas, vocês temperaram com o otimismo de uma turnê acontecer.

Ah, sim, estávamos muito duvidosos até novembro, eu diria. Em um momento comecei a planejar a turnê e tive que parar de fazer isso, pois não senti que meus companheiros estavam no mesmo lugar que eu. Então a decisão de que iriamos adiante fazendo-a acontecer meio que surgiu em novembro.

Houve algo em particular que os levaram a essa decisão?

(Pausa). É um assunto complicado, mas há algumas questões em jogo aqui. Neil tem sua filha pequena, e ele não se sente 100% confortável em deixá-la agora. Essa é meio que uma segunda chance para ele, a de ter uma família. E, justamente por isso, ele leva a responsabilidade de ser pai de forma muito séria. Dessa forma, essa é uma influência. Alex tem diversos problemas de saúde, mas o primordial parece ser a artrite, como ele disse em algumas entrevistas. E ele não tem certeza de como isso vai afetar sua habilidade de tocar nessa altura do jogo. Está em suas mãos (n. do t.: se referindo ao local da artrite), e é o pesadelo de todos os músicos. Então, esses são os dois fatores que eu diria críticos sobre sermos capazes de continuar com turnês ou não.

Se você não soubesse da situação do Alex, seria capaz de dizer - sendo alguém que tocou com ele por mais de 40 anos - que ele está sofrendo com a artrite?

Não, ele está tocando de forma ótima, mas sei que também está sentindo dores. Não é tão simples. Ele é capaz de ignorar, mas isso não irá embora. Acho que essa foi uma razão para ele querer entrar em turnê sem demora.

Se a decisão em sair em turnê foi feita em novembro, quando vocês começaram a ensaiar?

Acho que todos nós começamos em tempos diferentes, mas eu comecei em fevereiro, e como banda ensaiamos em março e abril.

Então são ensaios para ensaiar para a turnê.

Sim, correto. Todos nós temos a nossa própria maneira de nos preparar. Eu geralmente ensaio por duas ou três semanas sozinho, assim como o Neil. Tenho certeza que Alex faz a mesma coisa. Então quando chegamos para ensaiar como banda, sabemos o que estamos fazendo (risos). Temos que colocar tudo isso junto, pois, tocar sozinho é uma coisa - tocar com os três juntos, colados como queremos estar, é outra.

Quanto tempo leva para que vocês cheguem no ponto onde estão tão colados quanto querem?

Leva algumas semanas. Porque uma coisa é você sentar em sua casa e manter seus dedos aquecidos, outra coisa é você montar um set com duas horas e meia, três horas de duração, e ser capaz vestir a camisa fisicamente e fazer toda aquela coreografia que é necessária quando você está no mundo mais ocupado de uma banda de três peças. Sabe, é uma coisa complicada, tendo toda aquela organização de teclados que tem que ser feita a partir do meu ponto de vista e do Neil também, e para o Alex - há muita tecnologia que precisa ser alinhada, e depois treinar a resistência para tocar de forma fluente por 2 horas e meia, 3 horas. Isso requer diferentes níveis de fisicalidade que talvez a maior parte das pessoas não percebem - especialmente para o baterista (risos).

Então, se alguém entrar no local de ensaio no primeiro dia em que estão tocando juntos, ao invés de escutar uma versão bem afinada de canções como Tom Saywer ou The Spirit of Radio, o que ouviria?

Bem, nós não tocamos as mais fáceis no começo (risos), começamos com as mais difíceis. Nos aquecemos com as que tocamos por trinta anos. Então Tom (Sawyer) não entra na rodada por um tempo. Não que seja fácil de tocar, mas essa é uma das canções que já estão muito bem incorporadas em nossas sinapses. Começamos com o material mais recente e com músicas que nunca tocamos ao vivo. Essas são as que requerem mais trabalho. Então, no primeiro dia, você terá um monte de falhas. (risos).

Estou evitando ver o setlist porque quero ser surpreendido...

Ótimo! Dessa forma á mais divertido.

Sim, acho meio deprimente poder descobrir ele inteiro com um único clique.

Sei, é a minha perdição, sério. Passo seis meses planejando uma turnê, planejando o setlist com os outros caras, e você constrói isso tudo para que o show seja desdobrado de forma particular e misteriosa - e as pessoas amam a fama de espalhar tudo isso online (risos). Eles não conseguem esperar para contar ao mundo. Entendo isso também, porque eles tem essa conexão com o resto da comunidade Rush, mas adoro quando não falam sobre isso, porque pra mim é meio que um momento magico, estar no público sem saber o que irá acontecer,

Então, sem derramar os feijões, como foi escolher as canções para essa turnê?

Tive uma atitude bem simples. Todos chegaram com um tipo diferente de repertório. Minha atitude foi: essa é uma turnê de aniversário, então devemos celebrar nossas canções mais conhecidas. E para fazer isso, você tem que ter a discussão: "Bem, popular para o gosto de quem?"; "De onde você está tomando o exemplo?" Se você olhar para os pedidos de alguns fãs mais hardcores, eles querem as canções mais obscuras, profundas. Então tentamos encontrar um equilíbrio, e ele veio de forma bem rápida na verdade - a maior parte. Houve alguns detalhes que tivemos que trabalhar, e é por isso que há algumas versões diferentes do show que iremos tocar. Satisfazer a todos é impossível, Então apenas tentamos encontrar um equilíbrio entre as canções mais populares dos nossos 40 anos ou as canções mais importantes de nossos 40 anos, colocando algumas surpresas no meio.

Sei que você todos estão especialmente orgulhos com Clockwork Angels, e ele foi certamente bem recebido. Se a oportunidade de fazer mais um álbum chegar, vocês seguiriam em frente se sentissem que ele superará o que veio antes?

Não acho que tentamos ser melhores que em nosso álbum anterior. Apenas tentamos fazer algo tão bom quanto ou diferente. Acho que é uma questão de perspectiva. Uma banda como a nossa não existe por todo esse tempo tentando bater o trabalho anterior. É tudo uma questão de conjunto da obra, então tem de haver algo novo e estimulante o suficiente para fazermos outro álbum. Eu diria que esse é o ingrediente mais importante: temos que sentir que estamos desbravando novos caminhos. Você não sabe o quão bom isso é em comparação ao resto do conjunto da obra - não quando você está dentro dela. Mas se parece novo e original, é maravilhoso. Ótimo. É disso que você está atrás.