ENTREVISTA COM LIFESON PARA A REVISTA SPIN



03 DE AGOSTO DE 2015 | POR VAGNER CRUZ

A revista norte-americana Spin publicou na última semana uma nova entrevista com Alex Lifeson, onde o guitarrista comenta a turnê R40, a longevidade do Rush, o estado atual da indústria da música e muito mais. Confira essa excelente e tocante matéria, inteiramente traduzida.

Um Comprimento de Onda Atemporal: Uma Entrevista com Alex Lifeson do Rush
O lendário guitarrista reflete sobre a jornada de sua banda, o mito da celebridade e a felicidade

Por: Jonathan Dick | 30 de julho de 2015


Foto por Richard Sibbald
Desde as origens de sua banda no ensino médio para o que é agora a provável despedida final do grupo quarenta anos depois, o Rush aderiu à simplicidade de onde começaram, como amigos alegremente esperançosos tocando em um porão. É fácil descartar músicas e danças clichês de lendas do rock mas, no caso do Rush, a verdade é bem simples. Com o ano da turnê R40, o vocalista / baixista Geddy Lee, o guitarrista Alex Lifeson e o baterista Neil Peart se posicionam para prestar homenagens a uma das mais ferozes (e historicamente ridicularizadas) bases de fãs, permitindo aos três que olhem para trás reconhecendo essa jornada com um duplo sentimento de orgulho e humildade.

Essas são as mesmas qualidades das quais a maior parte do seu sucesso é derivado em raridade quase que exclusiva, qualidades que os tomaram de uma garagem de Toronto para arenas em todo o mundo, acumulando gerações inteiras de fãs e inspirando inúmeros artistas com sua música. Com o que parece ser a última turnê do grupo chegando ao fim, falamos com Lifeson sobre suas próprias reflexões da banda muitas vezes ter esquecido injustamente o sucesso, e a ligação única que ele compartilha não só com seus companheiros de banda, mas com a geração de fãs dedicados que estão lá agora e ao longo de mais de quarenta anos.

O pressuposto é que a R40 é uma turnê de despedida da banda. Partindo do princípio que isso é verdade, você se vê sendo mais reflexivo do que o habitual na incrível jornada do Rush?

Sim, acho que todos nós. No passado, quando comemoramos nosso aniversário - como, por exemplo, na nossa turnê dos 30 de dez anos atrás - foi de certa maneira uma retrospectiva também. Meio que tentamos remontar e equilibrar o set ao vivo com material de toda nossa carreira. Mas, dessa vez, nos concentramos muito mais em olhar para trás a partir do presente voltando bem para o início. Você viu o show em Atlanta, então sabe o que estamos fazendo. É divertido apresentar o show dessa maneira, dissecando a última meia hora, onde os teclados se vão, sendo apenas nós três tocando - é de fato muita diversão para todas as noites - um ponto alto para todos nós.

Essa camaradagem e coesão tornaram-se algumas das características definidoras do Rush, especialmente em termos de longevidade e pelo fato de vocês terem ficado juntos, conseguindo afastar-se da egomania pela qual tantos outros grupos famosos são conhecidos. Isso é algo sobre o qual vocês têm ciência ou meio que mantém guardado no fundo da mente?

Acho que sempre fomos conscientes disso. Não permitimos que o outro se torne arrogante, sabe? Sempre, desde o início, queríamos ser os melhores músicos que pudéssemos e a melhor banda que pudéssemos. Sempre nos forçamos, e tem sido uma evolução natural. Não tanto sobre o estilo de vida, uma vez que é sobre o desejo de ser bom e, além disso, querendo ser seres humanos que se preocupam com várias coisas. É um quadro inteiro. Não se trata apenas de estar em uma banda de rock, e acho que tivemos uma boa base crescente que parece natural. Dito isso, acho que é um pouco da coisa de ser canadense também. (Risos)

Você fala sobre crescimento e o contexto família que, claro, me faz pensar sobre a dinâmica familiar que existe dentro da base de fãs do Rush. Isso não quer dizer que é algo totalmente exclusivo a vocês, mas é certamente bem visível tendo essas gerações inteiras que passam a música de vocês aos seus filhos.

Sim. Eu não vou a muitos outros shows, portanto não sei se isso acontece frequentemente com outras bandas, mas é certo que vejo isso nos nossos. Vejo multi-gerações, crianças pequenas com seus pais. - isso é algo grande. Papais com seus filhos e filhas compartilhando a experiência. Você é um exemplo disso (risos). Quando te encontrei em Atlanta, você estava lá para compartilhar essa experiência, e vejo muito isso. Outras vezes vejo três gerações - avós com seus filhos e com os filhos dos seus filhos. É impressionante para mim estarmos fazendo algo que leva pessoas a compartilhar esse tipo de experiência dessa maneira. É realmente, realmente notável, e não é perdido em nós. Sinto-me muito honrado e abençoado pelas pessoas nos olharem dessa forma.

Sempre pareceu que vocês só se sentiam à vontade como outsiders. Só de pensar em coisas como South Park, Trailer Park Boys e toda a ideia de "cultura geek", o Rush sempre pareceu uma banda que não se levava muito à sério.

Acho que sempre levamos nossa música a sério e, certamente, desde os primeiros dias. Bem, acho que no geral tomamos nossa música de forma muito séria, mas todos nós temos um senso de humor muito frequente, e de fato nos divertimos e rimos juntos. Acho que é o maior motivo de continuarmos juntos depois de quarenta anos. Curtimos quando estamos juntos. Gostamos de verdade de estarmos perto um do outro, fazendo o outro rir o tempo inteiro. Há momentos em que você fica mais sério, e outros que você fica pra baixo, mas tenho que dizer que a relação que temos é incrível, pois meus dois companheiros estão lá para mim quando não me sinto legal. Eles me colocam pra cima, e fazemos isso uns com os outros.

Sobre o que Neil passou, estivemos lá para ele como irmãos. Há todo um ângulo disso que é muito importante e muito mais humano do que sermos apenas "estrelas do rock". Isso nunca nos pareceu muito importante. Na verdade, sorrimos e às vezes sequer sabemos como lidar. Até agora parece estranho para nós, mas você faz o que faz e tenta ser honesto com você mesmo. Parece um pouco piegas, não? Não é como algo grande. Você é apenas uma pessoa normal. Todos querem ser famosos agora com Instagram, Twitter e blá blá blá a todo momento vindo de todos. Acho que quando você está nessa posição de celebridade e não quer usá-la se afastando disso, deve parecer estranho para alguns.

Dado o fato de que vocês testemunharam e participaram da multidão de mudanças na indústria da música ao longo dos últimos quarenta anos, você vê uma banda disposta a assumir os mesmos riscos em 2015, enfrentando os obstáculos que o Rush encarou nos primeiros álbuns do começo da década de 70? É mais difícil agora enfrentar esses tipos de risco que praticamente definiram o padrão que vocês continuaram a seguir ao longo de quarenta anos?

Eu diria que agora é mais difícil se estabelecer na indústria da música, e se estabelecer como um tipo de artista de fato independente. As coisas tendem a acontecer muito rapidamente e os períodos de atenção são muito curtos. A música se tornou algo com livre alcance, e está ao nosso redor o tempo todo. Portanto, é bem mais difícil cultivar um público como o nosso, e eu diria que é muito mais difícil agora. Quando estávamos surgindo, tivemos um contrato com uma empresa discográfica. Nosso primeiro negócio, por exemplo, foi por cinco discos, e havia um crescimento gradual. Eles olhavam para isso como, "Vamos investir nesses primeiros dois discos e, se não acontecer nada, nada de grandes negócios. Talvez o terceiro disco seja o momento de virada e, em seguida, com o quarto e o quinto estaremos no expresso da alegria". Acho que essa era a perspectiva da gravadora.

As gravadoras agora, se é que ainda existem, são muito especulativas sobre apoiar bandas e sobre o que procuram. Essa coisa toda do 360 Deal - eles se tornam os donos da banda, donos do merchandising, donos de tudo. Não querem colocar dinheiro. A banda tem que fazer seu próprio disco. É como, "Traga seu disco para nós; vamos lançá-lo e se algo acontecer, ótimo. Estaremos nele. Se não acontecer, vocês ficam por conta própria". Dessa forma, não há mais o compromisso de desenvolver jovens talentos, e acho que isso mostra a qualidade da música. Há muita música boa por aí, mas há muita mediocridade derivativa e banal, e isso de fato nos diz algo.

E é justamente isso. Não consigo imaginar atualmente uma gravadora permanecendo fiel a uma banda cujo quarto álbum abriria com uma faixa de vinte minutos. Essa dinâmica de correr riscos tem sido, de certa forma, diminuída por esse senso de imediatismo.

Utilizando esse mesmo exemplo, se estivéssemos lançando esses mesmos três discos agora: Fly By Night - a gravadora teria dito, "Ok, vamos aguardar". Com Caress of Steel, eles teriam nos largado imediatamente, pois foi um álbum fracassado comercialmente, do qual precisamos para chegar em 2112. Dessa forma, não haveria 2112 em 2015. Eu voltaria a ser encanador (risos) ou teria algum outro trabalho. Isso simplesmente não existe agora, ao passo que na época, mesmo tão nervosos quanto eles estavam, ainda continuaram lá para nos apoiar. Eles tinham um acordo conosco, observaram esse período difícil e, em seguida, 2112 foi o momento da virada para nós e nunca mais olhamos para trás depois. Tivemos outros pontos que foram passos à frente, mas nos dias de hoje isso simplesmente não acontece.

Olhando para para suas próprias realizações ao longo dos anos, qual foi o ápice criativo para você e qual o momento de maior orgulho pessoal como músico?

Tive muitos pontos altos, e muitos desses em momentos de transição em nossa carreira. É realmente difícil pensar em um momento específico, pois tudo foi muito gradual. Tudo foi muito divertido e normal em termos daquilo que estávamos fazendo e de como estávamos indo. Um dia você acorda e se torna um pouco mais renomado, mais popular ou mais pessoas compram seus discos. Foi muito gradual nesse sentido. Não foi de repente que passamos do nada ao tudo.

Mas acho que, em termos de crescimento pessoal como músico, não foi tanto com o Rush. Para mim, pessoalmente, foi quando fiz meu disco solo. Tudo estava nas minhas costas- eu produzi, compus, reuni os músicos, toquei baixo, guitarra, teclados, trabalhei na arte da capa. Fiz tudo. Essa foi provavelmente a minha maior realização em termos pessoais sendo um músico assumindo a responsabilidade de fazer um disco, coisas que todos nós compartilhamos dentro do Rush com produtores e no nosso escritório, enquanto que em um disco solo eu mesmo fiz tudo, não importando se eu venderia uma cópia ou um bilhão. Fiz aquilo. Coloquei meu tempo e esforço lá e foi um momento de muito orgulho quando terminei. Mas toda a experiência com o Rush tem sido muito mais gradual. Tivemos muito altos e baixos. Bem, muitos altos. (Risos)

O que tem sido o ponto principal para você em toda a história do Rush? O que o levou do começo como aquele garoto em uma garagem em Willowdale para o que pode ser o capítulo final para o Rush?

Acho que perseverança é o ponto chave. Venho aprendendo que se você quer ser bom em alguma coisa, deve colocar 10 mil horas suas nisso, perseverando e nunca desistindo. Por mais difícil que pareça às vezes, não desista se é algo que você realmente quer fazer. Passei a tarde com um dos meus amigos hoje, e ele me falava sobre seus filhos, sobre como estão crescendo e sobre suas conversas, de como incutiu neles o sentimento de que não importa o quanto você faça ou como é bem sucedido em alguma coisa. A verdadeira medida do sucesso é ser feliz, e se você é feliz em ser um jardineiro, então faça isso. Se você está feliz em ser um executivo do setor bancário, faça isso. Se você é feliz sendo músico, faça. Mas, certifique-se de fazer. Fico feliz em ouvir pessoas que ainda pensam dessa forma.