ENTREVISTA COM NEIL PEART PARA A MODERN DRUMMER



13 DE NOVEMBRO DE 2015 | POR VAGNER CRUZ

A edição de janeiro de 2016 da revista norte-americana Modern Drummer trará uma grande entrevista com Neil Peart. O bate-papo foi conduzido por Ilya Stemkovsky no backstage do show da R40 em Newark, Nova Jersey, no dia 27 de junho. Neil abrange uma vasta quantidade de tópicos, incluindo os rigores de ser um baterista de rock profissional aos sessenta anos (que ainda cresce e aprende), a escolha das canções para a turnê R40, seus últimos kits de bateria, a composição de letras e muito mais. A entrevista termina com o Professor abordando toda a atenção e respeito que o Rush recebeu ao longo dos últimos anos, além de pensar também sobre o futuro do trio. Acompanhem o material, inteiramente traduzido para o Rush Fã-Clube Brasil.

UMA ENTREVISTA COM NEIL PEART
Modern Drummer / Janeiro de 2016 - Por Ilya Stemkovsky

Em sua nona capa e entrevista na MD (recorde), o baterista do Rush detém uma discussão tipicamente fluida e intensa sobre solos e set lists, as diferenças reais entre sua forma de tocar no passado e no presente e o tema muito especulado sobre o futuro da banda.

Quando o Rush anunciou que sua R40 2015 seria provavelmente a "última dessa magnitude", os fãs começaram a refletir sobre os comos e porquês, agarrando os ingressos para ver os seus heróis talvez pela última vez.

Para comemorar seus quarenta anos (e contando), o guitarrista Alex Lifeson, o baixista / vocalista Geddy Lee e o baterista Neil Peart conceberam uma cronologia-reversa numa experiência teatral elaborada, na qual, ao longo de dois sets, o grupo exploraria seu profundo catálogo, começando com seus materiais mais recentes e voltando no tempo. Peart traria até mesmo dois sets de bateria separados - um moderno, totalmente elaborado para a primeira parte do show, e uma réplica do seu kit lendário do final da década de 1970, para as peças épicas progressivas que ocupam a segunda parte.

Anos após serem universalmente reconhecidos como a banda de rock progressivo mais importante do mundo, o perfil do Rush só continuou a subir, com documentários recentes, participações em filmes, a primeira capa da revista Rolling Stone e - finalmente - a indução ao Rock and Roll Hall of Fame. Ao longo de tudo isso, Peart continuou a progredir como baterista, mesmo que não tivesse nada mais a provar. Agora, em seus sessenta anos, ele ainda é dedicado ao seu ofício, ainda com fome, ainda praticante, ainda aprendendo e ainda expandindo suas fronteiras criativas através de aulas continuadas.

"O público não precisa saber de todo o material técnico", diz Peart. "Eles só precisam saber que atravessei o problema, e que os cuidados foram tomados. Essa é a natureza da nossa banda e a natureza de cada um de nós individualmente. Dessa forma, nosso público pode confiar nesse aspecto".

A Modern Drummer se encontra com Peart nos bastidores da parada da turnê R40 em Nova Jersey. O baterista nos cumprimenta e pede desculpas por estar sem meias. Ele encontra-se no sofá e aponta para os pés, que se mostram afetados pelo tempo - a prova do desgaste e das lágrimas que meio século podem trazer, noite após noite.

"Sempre digo isso sobre carros e motos, e também sobre baterias antigas: eu as amo, mas as novas são melhores"

IMPACTO SUSTENTADO

Neil: [Após discutir suas lesões] Nesse ponto da turnê, você não tem reservas. Assim, uma coisa sobre esses ataques é que eles desgastam sua resistência em todas as outras formas também. E não há como fugir. Tive tendinite no cotovelo na turnê Test For Echo em 1996 e 1997, não tendo de novo por quinze anos, quando apareceu no outro cotovelo. Precisei usar uma cinta para tocar pelo resto da turnê, além de usá-la à noite. As pessoas dizem: "Oh, você só precisa descansar". Ok, vou fazer isso. Vamos trazer dez mil pessoas pra casa essa noite, enquanto descanso.

MD: E você certamente não voltará tocando "Peaceful Easy Feeling".

Neil: [risos] Como você pode ver, muitas vezes me refiro ao que faço como atlético. Não é algo de baixo impacto. E, através dos ensinamentos de Freddie Gruber e da minha própria dieta física e ioga, tenho sido capaz de me sustentar no auge há muito tempo, continuando a melhorar e a estudar.

É uma revelação para mim que, aos sessenta e dois anos de idade, ainda posso seguir melhorando, sentindo que conheço o ofício profundamente me movendo para novas áreas. Freddie teve um efeito transformador em minha forma de tocar. Quando trabalhei com ele em meados dos anos 90, ele me disse: "Você é um baterista compositor", e é verdade. Minhas partes de bateria ao longo de todos os anos 70 e 80 eram muito cuidadosamente refinadas, em parte pela natureza da forma como trabalhávamos naqueles dias. Estávamos juntos no estúdio, aprendendo a música, tocando de novo e de novo e, uma vez que colocava um pouco de imagens ou realce, pensava, "Isso pode ir com aquilo". A arquitetura, pedaço por pedaço, e a composição viriam junto.

Mas, quando Freddie apontou isso em mim, pensei: "É legal, mas quero ser um baterista improvisador". Dessa forma, me propus a trabalhar por mim mesmo e um pouco mais nessa direção, usando temas em meus solos e ostinatos que me permitissem expandir. Mesmo assim, ainda tenho esse quadro, pois sempre senti a responsabilidade de apresentar composições.

Enquanto crescia no sul de Ontário, o clima da época era muito saudável; via grandes bateristas o tempo todo. Adorava a forma como alguns deles tocavam acompanhando a banda, mas não curtia seus solos - por não terem visão e nenhuma história para contar. Já outros solos que assisti conseguia perceber que eram uma composição, uma performance.

Sempre fiz solos em toda banda que integrei. Tornou-se parte da minha vida como baterista, desde o início. Foi um grande veículo de aprendizagem, pois existem muitos aspectos técnicos que aprendi solando, sem a responsabilidade de apoiar uma banda na seção rítmica. Era exploração, o mesmo que em meu pequeno kit de aquecimento aqui nos bastidores. Posso experimentar sem quaisquer consequências. Poderia pensar, "Oh, vou colocar isso no meu solo à noite", e também não sabia o que Freddie ia me dar. Só me entreguei a ele e, basicamente, comecei tudo de novo.


MD: Peter Erskine ajudou a continuar sua aprendizagem?

Neil: Adorei a forma como Steve Gadd fez "Love for Sale" no álbum-tributo a Buddy Rich que fizemos [Burning For Buddy] e Dave Weckl tocando ao vivo. Assim, fui encontrá-lo. Queria aspirar aquelas performances.

Don Lombardi da Drum Workshop e eu concordamos que Peter Erskine seria o professor certo para me levar na melhor direção de bateria de uma big band. Ele mora a dez minutos de mim. Assim, comecei a ir para as aulas em sua casa, iniciando um curso de prática com Quiet Count feita na V-Drum Brain da Roland, que é um metrônomo que lhe oferece duas faixas de clique e, em seguida, duas faixas de silêncio, e assim por diante.

Assim, minha tarefa era me ajustar a um andamento lento e, em seguida, a um andamento rápido, tocando apenas no chimbau. Ele me deu algumas coisas para tocar junto a fim de aumentar a sensação e de compreender o swing, pessoas como Sonny Payne com Count Basie. Assim, todo santo dia eu sentava no chimbau e estabelecia um andamento lento. No início foi impossível, pois não conseguia manter aquele andamento [com o resto do kit].

A prática não tem que ser tediosa. Dessa forma, não ficava aborrecido com o chimbau, por meses. Fazia riffs nele, aprendendo coisas dentro das restrições de tempo e aprendendo a ouvir gradualmente o que não estava lá: o clique. Assim, quando aquelas duas faixas sumiam, ainda podia senti-las.

Finalmente, me surpreendi ao voltar aos andamentos. Os mais rápidos são um pouco mais fáceis. Já ouvi falar de outros bateristas proeminentes que, quando tentaram essa atividade primeiro, era como se houvesse algo de errado com eles depois [risos]. O que a atividade me trouxe, de forma inesperada, foi a confiança nos tempos que me dava liberdade em improvisações, pois podia sentir aquela pulsação organicamente.

Já com Freddie era sobre movimento. Ele dizia que, quando você bate no prato, é aquilo mesmo, mas ele também gostava dos gestos. E Peter havia estudado com Freddie também. Peter me pediu para tocar semínimas no prato de condução, e eu as encaixava nessa pequena ondulação. Ele me perguntou o que era, e eu disse que era a pontuação de tempo. Ele disse, "Não", apontando para o meu peito e me dizendo que o tempo estava ali. Ele me queria tocando essas semínimas com uma precisão a laser num movimento linear. Peter havia transcendido os ensinamentos de Freddie, conforme aprendi. Aquele sentimento, aquela ondulação que Freddie havia colocado em pontuações de tempo que eu intuí. Trabalhei meses nisso, e voltei ao Peter para tocar aquelas semínimas. Como qualquer estudante, estava nervoso com o professor. E no final ele disse, "Perfeito". Fiquei muito feliz.

MD: Você sentiu alguma mudança no seu relógio interno?

Neil: O Rush estava em um hiato e eu tinha um ano e meio onde poderia praticar. Mais tarde, quando nos reunimos, comecei a fazer as faixas de bateria para as demos. Geddy e Alex disseram, "Bem, ainda soa como você, nada diferente". Fiquei um pouco decepcionado. Mas, quando fomos tocar de fato, foi completamente diferente. O relógio havia mudado, estava bastante alterado e permanece até hoje. Se revivêssemos alguma das canções mais antigas nesse momento, as tocaria como toco agora.

Uma das canções que revivemos, "Presto" - tocamos muito melhor agora. Geddy disse, "Temos um relógio diferente agora". Eles conseguiram compreender. Havia algo fundamental e aparentemente intangível que eles não conseguiram ouvir  inicialmente. Tínhamos mais liberdade agora.

Nos últimos dois álbuns do Rush, não compus as partes de bateria - eu as toquei. Trabalhamos com o produtor Nick Raskulinecz nos dois últimos discos - eu tocaria a canção algumas vezes, vendo o que ia funcionar, para então começarmos a gravar. E ele me conduzia, pois nossos arranjos sempre foram obtusos e costumávamos levar muito tempo aprendendo.

Eu dizia que levava três dias para aprender uma das nossas músicas e a montar as partes de bateria. Não gosto de fazer anotações. Quero tocar aquilo como música. Para essa turnê, planejamos tocar várias coisas do nosso material mais antigo da década de 1970, todos com tempos bizarros. Por que fizemos aquilo? Porque éramos garotos. Estávamos aprendendo como fazer e porque conseguíamos. Todos aqueles materiais soam de forma completamente diferente agora, com uma cadência muito melhor e com sensações e fluxos naturais.

MD: Em sua última entrevista para a MD, em 2011, você disse que os estudos com Gruber e Erskine ajudaram a manter a precisão, e te fizeram se sentir bem por dentro. Mudou alguma coisa? É ainda melhor agora?

Neil: Ainda estou evoluindo em suas orientações. Às vezes, concedo uma entrevista a não-músicos que me perguntam por que pratico tanto e faço aulas. Bem, tenho o privilégio de ser um músico profissional. É minha responsabilidade me dedicar a ser tudo o que posso ser para as pessoas que têm me dado essa oportunidade.

MD: Nem todos pensam dessa forma.

Neil: Eu sei, mas deveriam. [risos] Eu vivo por exemplos. Como baterista, dar um bom exemplo e não enrolar o público. E, quando outros bateristas me dizem que eu já os inspirei a tocar bateria, digo-lhes para pedir desculpas aos seus pais [risos]. Para essa turnê, comecei a preparação três meses antes. Toco junto com as faixas durante todo o dia e trabalho em ideias para o solo, cinco dias por semana. Assim, no momento em que chegam os ensaios com a banda, estou pronto.

MD: Como surgiu a ordem cronológica inversa do set list?

Neil: Alex e eu estávamos animados em encontrar faixas obscuras, músicas que nunca tocamos ao vivo. E queríamos fazer uma apresentação teatral, na qual o show segue voltando no tempo. Então, começamos a pensar em como as canções deveriam ser escolhidas, tendo duas responsabilidades - o primeiro set e o segundo, como os dois lados de um LP. Assim, eles teriam que começar e terminar em algum lugar, levando o público numa forma dinâmica.

Anos atrás, estávamos falando sobre uma certa relação de músicas, e Alex disse que não poderiam fazer devido ao tom - coisas sobre as quais ninguém pensaria. Eu estava consciente daqueles andamentos - com prudência. E, quanto ao Geddy como vocalista, ele poderia não querer cantar certas canções em sequência.

KIT "EL DARKO"
Tradução dos termos técnicos: Nereu Rodrigues


Bateria: Tambores DW construídos em carvalho romeno (tronco de árvore com mais de 1500 anos, encontrado submerso em um rio). Acabamento em cromo preto (black chrome).

A. 14x6.5 VLT caixa
B. 6" concert tom
C. 8" concert tom
D. 10" concert tom
E. 12" concert tom
F. 12x8 tom
G. 13x9 tom
H. 15x12 tom
I. 18x16 surdo
J. 20x5 gong bass
K. 23x16 bumbo com sistema de microfone interno Kelly Shu
L. 13" timbale de metal da marca LP
M. 14" timbale de metal da marca LP

Pratos: Sabian Paragon com acabamento brilhante

1. 22" ataque/crash
2. 20" ataque/crash
3. 15" chimbal/hi-hats
4. 10" splash
5. 17" ataque/crash
6. 8" splash
7. 19" ataque/crash
8. 22" condução/ride
9. 20" china/Diamondback
10. 20" China
11. 19" China

Percussão

aa. Cowbells LP
bb. Century Mallet bells (sinos orquestrais)
cc. malletKAT Express (marimba midi eletrônica)

Ferragens: Pedais de bumbo e estantes DW 9000, exceto máquina de chimbal (hit hat) 5000 series; todas ferragens em acabamento (níquel preto) black nickel finish.

Baquetas, Peles, Extras: Peart utiliza baquetas Promark signature 747 NP "R40". Peles DW e Remo. Os acessórios incluem tênis Urban Board NP Signature Drum Shoes e cabos de áudio Whirlwind. Técnico de bateria: Lorne "Gump" Wheaton.

KIT "R40"
Tradução dos termos técnicos: Nereu Rodrigues


Bateria: Tambores DW construídos com carvalho romeno (tronco de arvore de mais de 1500 anos, encontrado submerso em um rio). Laqueada na cor Dyed Black Pear.

A. 14x6.5 caixa (NP Icon snare - Série limitada 1/250)
B. 15x13 surdo
C. 13x3 caixa piccolo
D. 8x7 tom
E. 10x7 tom
F. 12x8 tom
G. 13x9 tom
H. 15x12 surdo
I. 16x16 surdo
J. 18x18 surdo suspenso
K. 23x16 bumbo com sistema de microfone interno Kelly Shu

Obs: Cada um dos logos dos tambores, bem como os quadros vermelhos em torno deles (inspirados no kit de bateria de Keith Moon "Pictures of Lily"), são feitos de madeiras marchetadas.

Pratos: Sabian Paragon com acabamento brilhante (exceto o nº 9 - linha Sabian Artisan)

1. 10" splash
2. 22" ataque/crash
3. 14" chimbal/hi-hats
4. 17" ataque/crash
5. 10" splash
6. 16" ataque/crash
7. 22" condução/ride
8. 8" splash
9. 14" Artisan chimbal/hi-hats
10. 19" ataque/crash
11. 20" China
12. 20" china Diamondback
13. 19" China

Eletrônicos:

aa. Pads Roland modelo TD-30, montado em cascos DW.
bb. Pad customizado de 6" da marca Dauz Pads (O alvo é uma referencia ao The Who).
Todos os samplers são controlados pelo programa Ableton Live.

Ferragens: Pedal duplo de bumbo DW 9002, estantes série DW 9000 - exceto máquina de chimbal (hit hat) serie 5000. Todas ferragens em acabamento banhado a ouro.


UM CONTO DE DOIS KITS

MD: Vamos falar sobre seus kits de bateria para essa turnê.

Neil: O kit do primeiro set evoluiu como um instrumento de perfeito conforto. Posso tocar nele de olhos fechados. A musicalidade flui pelos pratos e toms. Tudo foi cuidadosamente escolhido e colocado onde deveria estar. Digo às pessoas: Não olhem para os quarenta e sete tambores. É um set de quatro tambores. Olhe para o meio - tudo se desdobra de lá.

Nos anos 70, as coisas evoluíram a partir dos anos 60. Ginger Baker [Cream, Blind Faith] tinha seu prato de condução para o lado com o ataque acima, de forma que tivesse três ou quatro toms na parte da frente. Foi por volta dessa era que comecei a tocar, então gravitava dessa forma. No início dos anos 90, quando mudei para o pedal duplo pela primeira vez - com a DW trazendo o primeiro realmente aperfeiçoado, fui para ele de bom grado e de imediato, apenas para liberar o espaço ergonomicamente. Mas não pude acreditar no aspecto sonoro. Na época, meio que percebi que os toms soavam muito mais limpos, e tudo parecia mais discreto.

O segundo kit teve como modelo meu set Slingerland preto cromado de 1978. Tive a ideia de que poderia ser legal se, ao invés de ter o set giratório no qual toquei durante anos, contrastando o acústico com a bateria eletrônica, eu fosse para um segundo set completo. Fui até a Drum Workshop e disse que queria exatamente aquela configuração.

Sempre digo isso sobre carros e motos, e também sobre baterias antigas: eu as amo, mas as novas são melhores. Não há o que argumentar. Os dois sets foram feitos de uma árvore da Romênia que caiu em um rio e que foi enterrada no lodo, ficando ali por mais de 1500 anos. Em 2014, John Good da Drum Workshop comprou aquela árvore e fez alguns cascos como protótipos para que eu testasse. Claro que a madeira fica super densa com todo esse tempo, e com pressão. A ressonância e o timbre das notas foram superiores até mesmo aos melhores cascos que a DW fabrica, estes que evoluíram ao longo dos meus vinte anos com eles. E foi divertido tocar com dois bumbos e com tom-toms abertos novamente.

MD: Foi difícil tocar nesse set antigo novamente no começo?

Neil: Foi difícil, pela ergonomia principalmente. Eu costumava ter tudo muito perto e abaixo de mim, um pensamento contra-intuitivo. Costumava achar que, o quanto mais próximo, mais poder conseguiria, o que não é verdade. Você tem que conseguir a distância certa, perto ou longe, não importa. E, da forma como o set list funciona, tinha que solar naquele set. Prefiro fazer os solos no meu set moderno, em todos os sentidos - musicalmente e fisicamente.

Mas há coisas legais também. Eu costumava ter timbales do meu lado esquerdo, e agora os tenho novamente e são divertidos. E há o solo. Ele cresceu orgânica e naturalmente no que fico animado em tocar. Não fiz esse solo da maneira que costumava fazer. Eu costumava compor o solo de fato, e jamais havia feito como o desse show. E há coisas nele que estão lá desde que eu tinha dezesseis anos, coisas que sempre me emocionaram e que ainda me emocionam.

MD: O que você faz na caixa...

Neil: Sim, posso fazer vamps na caixa o dia inteiro, e o four-on-the-floor. É uma sensação emocionante para mim, e no solo tudo é espontâneo. Há lugares para os quais gosto de ir, como a valsa que adoro. E vou subir nos tom-toms durante ela, da forma que gosto e de como funciona. E quero chegar nos cowbells, pois são divertidos. E há o ostinato brasileiro que eu amo, embora não faça todos na mesma noite.

MD: Fico imaginando se você teria coragem de improvisar um solo desses antigamente. Mas você está fazendo isso agora, no fim do jogo!

Neil: Eu não tinha essa coragem, era algo sobre responsabilidade. Queria ter certeza de que a performance fora consistente. Não quero usar truques, mas ferramentas. É uma distinção muito importante. O bumbo em semínima pode ser um clichê terrível mas, se você usá-lo no momento certo, em um arranjo complicado ou algo assim, não haverá nada mais poderoso. Nunca abuso dele.

Para mim, meu solo se tornou uma trilha sonora de um filme imaginário. Quando quero construir emoção, tem que ser algo orgânico. Quando construo uma parte de rudimento na caixa trazendo o bumbo, assim que começo a pisar no chimbau ele começa a brilhar, sendo mais emocionante de tocar.

Por anos tive chimbals de 13", mantendo-os bem apertados. Peter Erskine disse que costumava fazer como eu - tinha seus chimbals super apertados e super controlados. Ele me disse para apenas tentar deixá-los mais soltos por um tempo, para ver o que aconteceria. Eu fiz, e com certeza aprendi que quando estão se movendo dessa forma, na velocidade correta, ajudam na noção de tempo. Me acostumei com isso, e tem outro benefício - como em "Roll The Bones", na parte com o chimbal estando mais solto. Toco muito melhor agora, e a sensação do meu pé no bumbo é muito melhor para as batidas rápidas. Dessa forma, funciona como o controle de tempo, pois tenho que tocar no chimbal em movimento. Ritmicamente, a velocidade da minha baqueta afeta na volta e no intervalo entre eles. E é funky. Não é somente o chimbal solto - é parte do tempo.

MD: É uma pena que você não possa ter toda essa diversão no kit em que você gostaria de estar tocando.

Neil: As coisas velhas são legais, mas as novas são melhores. E eu só conheço mais as coisas a partir de toda a evolução e aprendizado. O kit mais novo é um instrumento muito confortável, enquanto o segundo foi apenas feito para sua finalidade. Foi vindo pouco a pouco. Tocando com ele agora, tenho que sentar de forma diferente, minha postura. Preciso pensar nele e olhar para onde estou indo. Sangrei na primeira vez que tentei bater nos ataques sem olhar. E, muitas vezes, terminaria algo e ia para onde a condução deveria estar, havendo um tom lá. Dessa forma, o mapa é diferente.

Mas fui capaz de compensar. Não é um compromisso, é uma limitação, e algo pelo qual decidi por boas razões. Notei que algumas músicas tinham carrilhões. Tenho os mesmos sampleados em meu MalletKAT, mas pensei (você sabe em que): carrilhões reais - adequados para teatros. A Century Mallet de Chicago fez esse carrilhão em preto-níquel que soa muito bem.

O único fator que conecta isso tudo é o segundo bumbo. Falo para os caras do som que algo bom na frente é que o bumbo principal ressoa no outro, dando-lhe uma certa qualidade sonora que faz tudo ficar bem. Porém, são pequenas coisas sutis como essa que tornam tudo um desafio.

FAZENDO NEGÓCIOS

MD: Vocês comemoraram o quadragésimo aniversário da banda nessa turnê. Como escolheram o que tocar?

Neil: Não temos canções que odiamos, e não há nenhuma que tenhamos enjoado. Todas elas têm seu encanto para nós, pois foram escritas com o coração. Assim, não há nenhuma que relutamos tocar. Viemos com sets alternativos, o que nos permitiu não desistimos de algumas. Tocamos todas elas em todos os três ou quatro shows. Isso nos serviu bem na última turnê, a primeira vez que nos atrevemos a tentar. Geralmente hesitamos em assumir mais trabalho do que precisamos [risos]. E isso é verdade, até mesmo nos discos. Nunca compomos e gravamos uma canção que deixaríamos de fora. Por que passar por todo esse problema?

Nossos parâmetros de referência são realmente orgânicos. Sempre acho que, se eu tiver uma boa ideia, vou lembrá-la. Se tocarmos algo que gostamos, vou lembrar. Assim, havia canções que nunca foram tocadas, por uma razão ou outra. Também, querermos fixar o que pensávamos foram pontos dinâmicos ao longo do caminho. Porém, todas do primeiro set são fisicamente matadoras de se tocar.

MD: Elas parecem exigir de você de imediato.

Neil: Em um álbum, você normalmente têm algumas canções mais lentas e mais fáceis, mais suaves. Mas ao vivo não temos. Assim, é uma verdadeira corrida de uma hora para mim. Potência máxima.

MD: Se vocês nunca mais tocassem "Limelight" novamente, estaria tudo bem?

Neil: É, já deu para nós. Ainda gostamos dela, e há várias canções da mesma forma. Dissemos, "Vamos fazer essa ao invés". Tivemos que trabalhar essas negociações.

MD: Com sua nova sensação, seu relógio interno e maturidade, você já pensou em como poderia fazer coisas de forma diferente dessas partes e preenchimentos icônicos que você compôs há tanto tempo?

Neil: Eu toco essas músicas de maneiras muito diferentes. Já evoluí para um músico diferente, mais improvisador. Os relógios em "Tom Sawyer" ou "The Spirit of Radio" são agora muito diferentes do que eram. Fico feliz em tocar as mesmas partes todas as noites. "Tom Sawyer" permanece dessa forma. Se consigo tocar corretamente todas as noites? Excelente. Não mudo muito, e não sinto que quero mudar. "The Spirit of Radio" é outro grande exemplo. Acho que não mudei nada desde 1979, exceto a sensação.

Sobre as músicas desse tempo, estávamos apenas começando a fazer algo bem técnico-formativo, colocando sequenciadores no meio. Para essa canção, tenho que tocar a introdução e o primeiro verso (que já trazem dois andamentos diferentes) e, em seguida, chegar ao refrão com essa sequência [canta a parte do sintetizador], o mesmo a cada noite. Mas aprendi com isso, conseguindo me preparar , chegando lá e fluindo. No fim, a sequência em piano entra e, normalmente, ao fim de uma música, você pode estar se acelerando - é da natureza humana. Porém, tive que me policiar para saber que, quando a coisa vai terminando, tem que parecer ótima. Isso deve ser o elevador, não pode ser o entrave. Assim, minha noção de tempo nessas canções é que as diferenças sutis não devem soar diferentes, mas sim sensações diferentes de tocar, e tocar melhor.

A NATUREZA E O CULTIVO DA MUDANÇA

MD: Vamos voltar no dia em que você foi parte de um movimento de bateristas idiossincráticos que fizeram um "som". Stewart Copeland, Billy Cobham - se esses nomes estiveram no registro, ia ser bom de qualquer maneira. São caras que se aplicaram de forma brilhante na música, como Jack DeJohnette.

Neil: Um dos mestres. Já disse que Jack é o único que faz as melhores pontes da percussão clássica para a moderna.

MD: Belo baterista, mas ele não vai aparecer em uma sessão pop da Katy Perry.

Neil: [risos] Esperemos que não.

MD: E os discos gravados, tudo soa tão quantificado. É uma época saudável para bateristas? Onde está a individualidade? Para onde o instrumento está indo?

Neil: É difícil. Estávamos ensaiando em Toronto e eu dirigia para lá e para cá, fazendo questão de ouvir a rádio Top 40. Foi legal. Adoro o combo R&B / hip-hop - é bem saudável para o que é. Sempre adorei a música pop honesta. Não finja ser um roqueiro em jaqueta de couro quando você é uma estrela pop. Pop é a abreviação de quê? De popular. Não é a mesma coisa que estar em uma banda de rock, onde acho que um certo grau de integridade é inerente à definição.

Durante duas semanas, não importava a música - não consegui ouvir um único baterista ou uma própria bateria. Mas todos eles têm bateristas reais ao vivo, pois a diferença no palco - o lugar de um baterista ao vivo - é enorme. A esperança para o futuro são os bateristas que toquem ao vivo. É difícil encorajar jovens músicos agora, pois minha rotina de conselhos seria inútil. Eu lhes diria, "O que você tem que fazer é tocar ao vivo". Quando eu era garoto, costumávamos reunir pessoas em escolas ou pistas de patinação nos fins de semana e, ao longo da semana, conseguia 20 dólares tocando em cafeterias com outros músicos. Havia várias oportunidades para tocar ao vivo se você estivesse disposto a entrar numa van, pagando suas contas dessa forma. Não há melhor maneira de aprender.

Para essa banda, quando nos reunimos em 1974 e saímos em nossa turnê de estreia, se a headliner tirasse um dia de folga, voltaríamos a Akron, Ohio e tocaríamos em um clube. Tocaríamos em qualquer lugar e faríamos qualquer coisa. Era uma construção lenta, e trabalhamos duro como banda de abertura. Éramos todo oferta e nenhuma demanda. Assim, mais tarde, a demanda cresceu, e finalmente tivemos que aprender a dizer não - dizer não para tocar dez shows seguidos. Essas foram as lições ao longo da caminhada.

Mas tivemos a oportunidade de tocar, e juntos. Acima de tudo, construímos essa unidade e, em seguida, fizemos álbuns subsequentes, aprendendo a compor e a organizar músicas, aprendendo a tocar e ter coisas como "La Villa Strangiato (An Exercise in Self-Indulgence)". Sabíamos o que estávamos fazendo. Sim, estávamos tocando todas essas coisas porque podíamos, e era o que devíamos fazer.

MD: A música de vocês exigiu que o público investisse nela.

Neil: Construímos nossa reputação duradoura pelas performances ao vivo. Nossos álbuns venderiam bem ou mal, mas as pessoas ainda assim viriam aos nossos shows: "Não gostei muito do álbum, mas sei que eles irão tocar as outras músicas - o show vai ser bom, e vão dar tudo o que têm". Há um fator de confiança nisso. Assim, essa é a esperança para a geração futura - a paixão pelo instrumento. Que as pessoas queiram tocar o que for preciso.

E agora, as pessoas estão encontrando outros caminhos para comunicarem sua música, ao invés de irem para clubes. Não para divulgar, marcar ou vender, mas apenas para levar pessoas a ouvi-las. Se uma banda pode ser ouvida e vista no YouTube, então podem conseguir um público e começar a tocar ao vivo. É diferente, tudo bem, mas ainda vejo pessoas fazendo isso.

O CAMINHO DA COMPOSIÇÃO

MD: Você disse que algumas vezes muda as letras de modo que Geddy possa cantá-las mais facilmente. Você sempre colaborou com a entrega rítmica dos vocais?

Neil: Sim, muitas vezes discutimos formulações. Além disso, é um tipo de encaixe. Tenho uma vantagem nisso, tendo em vista que as palavras são sempre ritmos para mim. Uma frase que vem na minha cabeça tem automaticamente um ritmo, pois a ouço como um baterista e padronizo minhas formulações dessa forma. Mas, às vezes, tomo certas liberdades de modo que uma deva ser mais longa, com a próxima devendo retornar formulada. Posso explicá-las ao Geddy ou estarei por perto enquanto ele faz os vocais. Se eu o ver tendo problemas, posso reescrever algumas coisas.

MD: E ele é aberto às suas sugestões?

Neil: Oh, na maioria das vezes pede ajuda. [risos] "Estou tendo problemas com essa frase", ou "Preciso de mais duas linhas como essa". Ótimo - posso fazer.

Uma coisa que aprendi é tentar não escrever uma letra inteira e entregar aos caras dizendo, "Aqui está a minha preciosa obra-prima". Só escrevo um monte de coisas e dou a eles. Eles vão sentar para tocar e gravar, e Geddy vai filtrá-la fazendo arranjos a partir delas. Quando ele gosta das linhas, fico inspirado - só pelo fato dela ter sido aceita e entendida como digna de se tornar uma canção. Se alguma coisa for rejeitada ou deixada de fora, não é algo negativo.

"Caravan", de Clockwork Angels, é um bom exemplo. Tínhamos a linha "I can't stop thinking big". Quando Geddy chegou no refrão, me perguntou se o mesmo não poderia ter mais uma linha para finalizar. E, de alguma forma, surgiu "In a world where I feel so small, I can't stop thinking big". Não sei de onde veio, foi algo espontâneo.

Foi um enigma para resolver. Sou muito bom em palavras cruzadas, e elas me ajudam bastante nesse tipo de coisa. Tinha essas várias sílabas. As canções, mesmo sem muitas repetições em nosso caso, são apenas algumas centenas de palavras. Assim, você tem que se tornar super-econômico com elas, escolhendo a palavra que transmita melhor o significado e que soe melhor ao ser cantada, dando rima. Não escrevi "I can't stop thinking big" para ser repetida, era apenas uma linha. Esse é um exemplo em que a resolução de problemas, de repente, pode ser inspiradora. Não sei de onde veio, mas obrigado [risos].

MD: O que é mais gratificante: ver os fãs cantando suas letras ou fazendo air drumming?

Neil: Cantando. Um dos pontos-chave para a nossa longevidade é que sei que, em muitas bandas, há uma grande busca do vocalista em receber toda a atenção. Isso causa muitas rupturas, conflitos e puro ego. Mas todas essas pessoas cantando junto com Geddy cantam as minhas palavras. Como posso me sentir mal com isso? Dessa forma, é muito gratificante.

Com o air drumming é a mesma coisa. É um grau de compromisso, total exuberância. Essa é a energia que você sente. É verdadeiramente espontâneo e um feedback. Eles nos energizam e nós os energizamos. É algo palpável e sincero, e não apenas sobre músicos fazendo um show - mas sobre o público estando no show. E, como sempre digo, eu sou o público - não sou um artista por natureza. A escolha pela bateria me levou a ser um artista. Sou alguém que conversa um a um. Quando estou no palco, olho muito para as pessoas, e com o mundo o mesmo - quando estou na minha moto nos dias de folga, é o show que vem a mim. Sou o público para o mundo, tentando absorvê-lo o mais profundamente possível, esperando compartilhar com outros mais tarde.

E esse é o grande apelo com a escrita em prosa - o desejo de compartilhar. Isso é o que me ocorreu, mas aposto que a emoção que consigo tocando algumas das nossas canções em particular vem do fato de que elas comunicam a afirmativa "Isso é real". A energia que estou dando, o fato de terem me emocionado quando gravei e de terem se tornado a bateria que eu queria para aquela canção significou algo, e ainda significa.

MD: Entrada no Rock and Roll Hall of Fame, capa da Rolling Stone. O que esta acontecendo aqui?

Neil: [risos] Persistência! Basta continuar. Você consegue, afinal, ganhar o respeito das pessoas. É fácil ser descartado no começo. Eu mesmo fiz isso como leitor, apenas descartando certos escritores. E, em seguida, ganharam meu respeito ao longo do tempo. Isso é persistência.

MD: O que há no futuro? Se o Rush não está em turnê, você ainda vai gravar? Escrever? Ser pai?

Neil: Você já respondeu. Não há uma resposta estrita - as possibilidades estão todas lá.