NOVO ARTIGO DE NEIL PEART PARA A REVISTA DRUM!



04 DE NOVEMBRO DE 2015 | POR VAGNER CRUZ

A edição de dezembro / 2015 da revista norte-americana Drum! traz uma longa matéria escrita por Neil Peart, onde o baterista relembra toda sua carreira em estúdios de gravação - desde os trabalhos com sua antiga banda J.R. Flood até o último álbum com o Rush, Clockwork Angels. Acompanhe essa incrível viagem, inteiramente traduzida.

MEMÓRIAS MAGNÉTICAS
QUATRO DÉCADAS NO ESTÚDIO COM O RUSH

Por Neil Peart

Minha primeira experiência em um estúdio de gravação foi quando eu tinha aproximadamente dezessete anos, no período em que tocava há quatro ou cinco anos. Esses parecem os detalhes mais importantes - a idade e a experiência. Para registro (há!), foi no começo de 1970 e a banda era a J.R. Flood, da minha cidade natal St. Catharines, Ontário. Ficamos muito emocionados ao sermos convidados por uma gravadora - na verdade, duas naquele ano - a fim de fazermos uma versão demo do nosso material original em um estúdio de qualidade profissional na "cidade grande", Toronto.

Achamos que mandamos muito bem.

J.R. Flood era uma banda séria, minha primeira professional "full-time", com Paul Dickinson na guitarra, Wally Tomczuk no baixo, Bob Morrison no órgão Hammond e Gary Luciani cantando. Um grupo de caras legais, disciplinados, dedicados - e divertidos. (Tive sorte.) Praticávamos duro durante todos os dias úteis no porão da família Dickinson. (A mãe do Paul certamente foi canonizada). Nos fins de semana, tocávamos em escolas e em pequenas casas de shows nos arredores da parte sul de Ontário. O que havia sido chamado de "danças" no início dos anos 60, se firmava como "concertos" por volta de 1970, quando quase todos na plateia ficavam sentados no chão do ginásio ou encostados nas paredes para ouvir e assistir. Um belo nível de atenção para um jovem músico sentir.

O melhor de tudo, naquele tempo não havia concertos - público - disponíveis em uma ou duas noites todas as semanas. Além disso, o clima musical era aberto o bastante para que nossos materiais próprios fossem recebidos juntamente com os covers. (A idade mínima para o consumo de bebidas em Ontário ainda era 21 anos, que em breve seria reduzida para 18, o que mudaria tudo para as bandas locais - não necessariamente para melhor, infelizmente. Com o álcool envolvido, menos pessoas tendiam a "ouvir e assistir").

O J.R. Flood tocava covers de bandas que gostávamos (algumas do Santana e do Blood, Sweat & Tears, "Teacher" do Jethro Tull, "April" do Deep Purple é o que consigo me lembrar rapidamente), e tínhamos um pequeno repertório de canções originais (entre elas minhas duas primeiras tentativas em letras, "Gypsy" e "Retribution").

No entanto, tendo em vista que a cena local de música ao vivo era saudável no final dos anos 60, a indústria musical não era tão robusta, pelo menos no Grande Norte Branco. Os caminhos para o sucesso eram uma versão de universo alternativo que ainda hoje são enfrentados por jovens músicos em todos os lugares - as condições eram desfavoráveis, e as chances mínimas. As gravadoras canadenses eram meros satélites de etiquetas americanas ou pequenas independentes locais. Tinham pouco poder em ambos os casos, e não estariam interessadas em uma banda sem os óbvios singles - o padrão-ouro do dia. (Novamente, não é tão diferente agora; ainda é tudo sobre uma música de cada vez - apenas os meios de comunicação mudaram, não a mecânica). Dessa forma, eles "recusavam educadamente". Ainda assim, é gratificante observar que nos dada, pelo menos, uma oportunidade.


Foi uma grande coisa para nós, correto, e uma experiência inesquecível estar em um estúdio de gravação pela primeira vez. Por um lado (isso me ocorre agora), nós nunca havíamos nos escutado no ofício! Impossível imaginar isso hoje, mas não havia dispositivos de gravação baratos naquele tempo, muito menos câmeras de vídeo (até onde sabemos, apenas um único clipe silencioso do J.R. Flood feito numa Super-8 capturado por meu pai sobrevive). Tenho certeza que é verdade que nunca tínhamos ouvido nós mesmos sob qualquer formato.

No entanto, talvez a recompensa dessa falta foi termos aprendido a ouvir uns aos outros profundamente e em tempo real. Musicalmente, nós cinco interagíamos bastante como uma união orgânica maior que nossas partes individuais. Foi um ensinamento adquirido de forma insubstituível - em apresentações ao vivo - e ainda reforço que não há melhor escola. Finalmente, saliento também o trabalhar com músicos da mesma opinião, tão bons quanto ou melhores que você, como a sorte que tive no J.R. Flood.

Todas as nossas músicas eram longas, em média com cinco ou seis minutos, com duas por volta de dez minutos. Um daqueles épicos era encantadoramente intitulado, "You Don't Have To Be A Polar Bear (To Live In Canada)" ["Você Não Tem Que Ser Um Urso Polar (Para Viver no Canadá)"]. Os arranjos eram intrincados, incluindo longas passagens instrumentais com solos, pontuadas por seções em conjunto bem difíceis e versos e refrões ocasionais.

Essa abordagem iria funcionar muito bem para o Rush uma década ou mais à frente, porém... não ainda.

"SEJA QUAL FOR A GRAVAÇÃO INFORMAL OCORRIDA DURANTE AS FASES DE ARRANJOS E DEMOS, SEI QUE SEMPRE POSSO ALCANÇAR UM NÍVEL SUPERIOR QUANDO ESTAMOS GRAVANDO PARA O REAL".

Nos últimos anos, consegui localizar, reviver e rever aquelas fitas velhas em mono do J.R. Flood, e elas contam muitas histórias.

Como mencionado, éramos muito disciplinados e bem ensaiados, e cravávamos versões decentes das nossas músicas em um ou dois takes. O engenheiro naquele dia era meio comediante, como pode ser ouvido nas conversas de fundo entre as músicas. Se algum problema técnico encerrasse um take, ele vinha ao microfone e dizia algo como "'Giant Killer' [N. do T., faixa 8 do disco], take 11", quando era na verdade o segundo take. Hilário.

Da mesma forma, desde o início, ele parecia ter uma atitude de superioridade com aqueles caipiras de um lugar remoto em um estúdio pela primeira vez. Num dado momento, escutei minha voz entre os takes tentando explicar que não conseguia ouvir qualquer outra pessoa em meus fones de ouvido - é claro que eu não sabia o que deveria ser feito e ele não ajudava, fazendo apenas um comentário com risinhos, "Talvez você não devesse tocar tão alto!"

Então, acho que isso é onde conseguimos chegar no departamento de "conselhos" para aqueles sem experiência de gravação. Quanto mais as coisas mudam, mais elas continuam as mesmas. Eu duvido que um único músico desse tempo não tenha ouvido ele mesmo - ou ela mesma - gravado desde... antes de terem nascido, certo?

Vou tentar ser mais "conceitual" que específico. Por exemplo, não presumo que alguém vá ajudá-lo - seja um engenheiro antipático ou em uma situação de estúdio caseiro, pois ninguém na sala sabe melhor que você como gravar a bateria.

Outro "aspecto de aprendizado" dessa minha primeira experiência é que o J.R. Flood montou o equipamento em uma grande sala, basicamente na ordem usual ensaio-palco. Ficamos separados apenas o suficiente para manter os instrumentos e amplificadores isolados, mas ainda assim podíamos ver uns aos outros. (Geralmente, antecipávamos sugestões visuais para términos de solos e afins, assim como Alex, Geddy e eu fazemos às vezes no palco). O engenheiro colocou microfones complementares em configurações padrão testando-os, e começamos a tocar. Até mesmo os vocais foram gravados ao vivo, em uma cabine de isolamento e, por ser uma sessão demo, não houve importância conferida aos overdubs, double-tracking, reparos ou mesmo mixagem.

Era o que era, e não era ruim para a época. Ouço a mim mesmo naquela idade, com toda energia e controle variável, e penso, "Alguém dê um valium para esse garoto". Ou, claro, um metrônomo. Veja como descrevi a experiência no meu livro Traveling Music (ECW, 2003):

O J.R. Flood teve um empresário bastante liso e ambicioso, Brian O'Mara, que conseguiu providenciar as "seções demo" para nós em duas gravadoras canadenses em 1970. Sem dúvidas, foi emocionante estar em um estúdio de gravação de verdade (primeiro no Toronto Sound Studios - coincidentemente onde eu viria a trabalhar com o Rush em nossos três primeiros álbuns juntos - e depois no RCA, que mais tarde passaria a se chamar McClear Place, onde muitos de nossos álbuns seriam gravados e mixados), mas tudo isso não deu em nada - as gravadoras "nunca ouviam um single".

Desenterrei recentemente aquele antigo gravador de rolo com fitas mono "ressuscitadas" por um especialista em arquivos. Como foi engraçado me ouvir aos 18 anos, com mais ideias do que habilidade, mais energia do que controle e mais influências do que originalidade - uma mistura crua de Keith Moon, Mitch Mitchell, Michael Giles e dos bateristas de Toronto Dave Cairns do Leigh Ashford e Danny Taylor do Nucleus.


BOLA FORA

Na sequência da decepção daquela rejeição, não parecia haver nenhum futuro para nós naquele pequeno lago. Há uma frase na canção "Caravan" do Rush que resume a minha atitude em seguida: "Em um mundo onde me sinto tão pequeno, não consigo deixar de pensar grande".

Insisti com meus companheiros de banda para que fôssemos ousados. "Vamos nos mudar para Toronto, ou Nova York - droga, até para Londres! Vamos lá - podemos fazer isso!". Mas ninguém partilhava a minha ambição incansável. Assim, tive que "pensar grande" por mim mesmo e, no verão de 1971, meu pai e eu preparamos minha bateria e discos e me mudei para Londres, Inglaterra. Considerava Londres "a capital do rock" naquele tempo, por isso parecia o lugar para estar - para buscar fama e fortuna, claro. Aqueles sonhos não foram imediatamente realizados - e não em Londres, mas de volta para casa no Canadá - essa experiência foi um personagem central que construiu uma era na minha vida. Minha primeira viagem sozinho, viajando para outro lugar com mais do que algumas centenas de milhas do meu lar de infância e, pela primeira vez, vivendo por mim mesmo e me sustentando. Ou não. Acabei conhecendo a pobreza e a desilusão, fazendo rodadas de "audições às cegas" (veja Traveling Music para mais histórias), mas pude tocar com algumas bandas, tendo mais algumas experiências em estúdios de gravação e aprendendo muito - sobre música, sobre a vida e sobre mim mesmo.

Tive a oportunidade de fazer algumas sessões como um "mercenário" por exemplo, mas achando que a experiência não era pra mim. Queria estar em uma banda que gravasse músicas para tocar ao vivo (a trajetória fundamental do Rush, eu diria). Tais decisões serão sempre individuais - para alguns, o ponto de honra é ganhar a vida tocando, ponto, e eu entendo e respeito isso. No entanto, quando tentei tocar, não me importava apenas com o dinheiro, também achei que não era pra mim. Sentia que preferia fazer minha vida de uma outra maneira, continuando a tocar a música que eu gostava.

De volta para casa no sul de Ontário no início de 73, fui trabalhar na revendedora de equipamentos para fazendas do meu pai, tocando em bandas no meio período. No verão de 74, reuni meu próprio grupo com o guitarrista Brian Collins, e ensaiávamos todas as noites da semana após o trabalho. Começamos a tocar em bares locais (fazendo tarde da noite ou no início da manhã para mim) sob um nome que Brian trouxe do seu trabalho anterior, Hush. Um dia, em julho daquele ano, enquanto estava atrás do balcão de peças, um homem chegou em um Corvette branco - o empresário de uma banda de Toronto chamada Rush.

O resto é histeria.

GRAVANDO COM O RUSH

Começamos a turnê em agosto de 1974, e fomos para o estúdio naquele inverno para gravarmos nosso primeiro álbum juntos, Fly By Night. Com o coprodutor Terry Brown, tínhamos dez dias para compor as canções (trazendo algumas ideias embrionárias que trabalhamos na estrada), gravá-las e mixá-las. Era louco.

Seis meses mais tarde, saímos da estrada para fazermos outro disco, Caress of Steel (acho que tivemos três semanas dessa vez) e, seis meses depois, saímos da estrada novamente para gravar aquele que seria o nosso disco mais importante, 2112, no inverno de 1976. Nesse momento, tivemos um mês inteiro para compor, para gravar e mixar - ainda era louco.

Um álbum ao vivo, All The World's A Stage, nos deu um fôlego antes do nosso próximo disco de estúdio, A Farewell To Kings, em 1977. Irrigados com um pouco de sucesso agora, viajamos para o Rockfield Studios no País de Gales para a gravação e para o Advision em Londres para a mixagem, o que foi emocionante. (Nos anos seguintes, trabalhamos em estúdios pela Inglaterra e em diferentes partes de Londres, bem como em locais ainda mais exóticos, como o Air Studios na ilha caribenha de Montserrat e o Guillaume Tell em Paris, França). Começando com A Farewell To Kings, cada um de nós se ramificou por novas áreas de instrumentação, incluindo teclados, pedais de baixo e, para mim, todos os tipos de instrumentos de percussão, desde blocos sonoros à sinos de orquestra. Também experimentamos amplamente diferentes abordagens para composição e organização, bem como técnicas de gravação - até mesmo gravando ao ar livre ou dentro de câmaras de eco.

Então estávamos de volta à estrada, como headliners agora, fazendo shows mais longos e para públicos com "expectativas maiores". No verão de 1978 retornamos ao Rockfield cansados das turnês, e com apenas alguns dias para trabalhar em novas músicas - com uma obra ambiciosa diante de nós, Hemispheres. Olhando para trás, todos nós reconhecemos que foi o disco que "quase nos matou". O excesso de trabalho havia finalmente nos apanhado, e agora combinado com mais ambição. No momento em que "abandonamos" esse álbum (Sempre gostei do ditado, "Nenhuma obra de arte é terminada, apenas abandonada"), fomos deixados exaustos física e mentalmente. Mais uma vez, louco.

Nosso álbum seguinte, Permanent Waves, foi gravado de volta para casa no Canadá, no Le Studio em Quebec, no outono de 1979. Antes de dirigir para lá pela primeira vez de muitas visitas inesquecíveis ao longo dos 14 anos seguintes ou mais, passamos algumas semanas no interior em Ontário apenas para trabalhar nas composições. Esse se tornou nosso padrão por muito tempo. Foi muito menos louco, e muito mais divertido.

SEGREDOS DE ESTÚDIO

Seja qual for a gravação informal ocorrida durante as fases de arranjos e demos, sei que sempre posso alcançar um nível superior quando estamos gravando para o real. É o mesmo no dia de um show. Acordo mentalmente focado naquele objetivo, determinado a tocar o melhor que eu puder, todas as vezes.

Algumas lições aprendidas lentamente podem ser narradas rapidamente. Em termos sonoros, me desenvolvi preferindo que minha bateria tivesse peles tanto com massa quanto ressonância, inicialmente com pequenos tom-toms abertos, e depois colocando peles de resposta neles também.

Gosto de amortecer um pouco a pele batedeira do bumbo, mas em nenhum dos outros tambores. Engenheiros geralmente se recusam, mas como aprendi gradualmente a afinar bem os tambores, eles não produziam qualquer sobretom indesejável, com essa "abertura" tornando-se aceitável para os profissionais de áudio - tanto em estúdio quanto ao vivo. A mesma coisa sobre ter uma pele frontal no bumbo - mais difícil de gravar porém muito mais agradável de tocar, com um salto real de massa e dinâmica.


"IMEDIATAMENTE, O CLICK SE TORNOU MEU "AMIGO", UM GUIA QUE MANTINHA O RITMO E QUE ME DAVA MAIS LIBERDADE DE CERTA FORMA - UMA COISA A MENOS PARA PENSAR".

Esses elementos ajudaram a tornar meu som mais "característico", e muitos bateristas concordam que a "assinatura" deles supera facilmente qualquer consideração sobre tambores em particular ou até mesmo peles. Já toquei em kits alugados e ainda consegui soar totalmente "como eu" - para melhor ou pior.

Sendo um pouco purista, no início também resisti às edições. Queria entregar performances em take único, que era "tudo o que deveria ser". Esse princípio se transformou em uma grande influência sobre minha abordagem de gravação - iria compor e ensaiar minhas partes por horas e horas, até chegar ao ponto onde eu pudesse fazer.

Então, gradualmente, invertendo a direção, comecei a abraçar a edição. Uma lição inicial foi em 1978, gravando nosso álbum Hemispheres. A última canção foi uma louca instrumental de oito minutos, "La Villa Strangiato", e tocamos a mesma mais e mais - por aproximadamente quatro dias, eu me lembro. Nós três estávamos no estúdio juntos, trabalhando arduamente e mais e mais, às vezes até o sol raiar, recomeçando mais tarde no mesmo dia com as mãos doloridas e inchadas. Foi um destruidor de almas. Finalmente, Terry Brown tentou uma edição unindo nós três em take único, o que soou ótimo. Tive que gritar, "Desisto".

A partir de então, continuei a evitar a necessidade de edição - com uma preparação cuidadosa e determinação para a gravação no dia - mas não resistindo se parecesse necessário, desejável ou apenas eficiente em termos de tempo. Esses dias de edição já não são como uma operação cirúrgica com navalhas e fitas, mas apenas uma questão de punções digitais. Assim, tornou-se uma ferramenta valiosa para mim - especialmente por me fazer buscar maior improvisação em minhas partes de bateria gravadas. Normalmente, vou tentar conseguir um bom take sólido, para então continuar seguindo - tentando mais experiências aleatórias e "perigosas" que às vezes produzem um preenchimento ou uma passagem única e emocionante, para então, em seguida, adicionar ao take "sólido".

Essa parte final principal da bateria pode ser aprendida e reproduzida mais tarde - como fiz para as faixas do nosso mais recente álbum Clockwork Angels por exemplo, quando chegou a hora de tocá-las ao vivo. Para mim, performances como essas combinam o melhor das partes escritas e improvisadas.

CLICAR

A primeira vez que usei um metrônomo no estúdio foi em nosso álbum Permanent Waves, em 1979. Imediatamente, o click se tornou meu "amigo", um guia que mantinha o ritmo e que me dava mais liberdade de certa forma - uma coisa a menos para pensar. Com o tempo, aprendi a trabalhar com o click forçando ou aliviando o mesmo intencionalmente, para fazer certas passagens mais urgentes ou mais descontraídas.

Usei o som homônimo habitual do "click" por muitos anos, então passando para um sampler de pandeirola - mais suave e de certa forma mais "solto".

Em 1985, preparando o álbum Power Windows, ensaiamos as canções juntos, com as tecnologias de gravação se tornando ao mesmo tempo mais sofisticadas e "astutas" naquela época. O coprodutor Peter Collins e o engenheiro Jimbo Barton nos incentivaram a gravar nossas partes separadamente. (Sempre gostamos de ter um coprodutor, para nos dar um ouvido objetivo e funcionar como um "mediador", mas ainda assim protegendo cuidadosamente nosso papel nesse departamento, chamando-o de "co" produtor). A argumentação não era apenas por um maior controle sonoro, mas também para um foco maior em cada desempenho. Assim, valia a pena tentar.

A bateria ficou em primeiro lugar (como deveria!), e segui sozinho para tocar uma "faixa guia" para a guitarra, baixo e vocais. De fato, não foi diferente como "experiência musical" - ainda estava tocando para Alex, Geddy e para a canção. Os caras ficaram na sala de controle, como parte da equipe de produção e do "painel de juízes". Sob tal escrutínio microscópico, agradar a todos poderia ser desafiador e até mesmo um teste para a paciência de um baterista cansado. No entanto, não pude negar que as partes de bateria foram elevadas nesse processo - elas continuaram a melhorar, não apenas se tornando diferentes. (Uma distinção crucial). Sobre a minha própria "parte" por assim dizer, me senti melhor em ser capaz de trabalhar em uma canção no que eu achava que precisava, sem a sensação de que estava fazendo mais alguém trabalhar duro.

Naquele momento já tocávamos juntos há mais de dez anos, então fosse em "tempo real" ou não, sempre tocávamos uns para os outros. Uma grande melhoria nesse método foi que, quando Geddy regravou sua parte no baixo com minha master track da bateria, ele pôde tocar cada detalhe e nuance, tornando nossa performance rítmica mais firme e mais simpática do que aquilo que o tempo real jamais poderia permitir. (Pedi cópias dessas trilhas básicas com baixo e bateria muitas vezes - só por pedir).

Em nossas sessões para Snakes And Arrows em 2007, com Nick "Booujzhe" Raskulinecz, ele nos incentivou a tentar algumas canções com todos nós juntos na sala. Fomos forçados, e ele logo se convenceu de que nada mudou. Assim, retornamos para o nosso método.

Para a gravação de Clockwork Angels em 2011, novamente com Nick, forcei esse método em uma nova direção. Determinado a capturar performances que fossem mais espontâneas, evitei a preparação intencionalmente. No estúdio, toquei junto com algumas canções algumas vezes, conseguindo sensações para o tipo de padrões e "ornamentações" que pudessem funcionar para, em seguida, chamar Nick para a sala a fim de começarmos a gravar. Eu nem sequer esperava aprender um arranjo - apenas seguindo a batuta empunhada por Nick na minha frente, que me conduzia para as mudanças e que me levava em direção às diferentes áreas do kit para a próxima seção. Entre as tomadas, falávamos sobre o que pareceu funcionar e sobre outras ideias que poderiam funcionar.

Isso foi diferente, tudo bem - mas, uma vez que o arranjo básico era elaborado, e os momentos mágicos (ou de sorte) "do acaso" iam para a master, ficava muito feliz com os resultados. Como escrevi em uma história sobre a preparação da turnê Clockwork Angels, tive o prazer de observar que, "A forma que toco agora é a forma na qual sempre quis tocar".

Essa é uma recompensa adequada para quase 50 anos de esforço!

OU NÃO CLICAR

Voltando em 1979, juntamente com a apresentação ao metrônomo, também começamos a utilizar sequenciadores digitais (como no refrão de "The Spirit Of Radio") tanto no estúdio quanto ao vivo, e nos álbuns posteriores eles iriam aparecer cada vez mais. No começo, eu teria essas sequências vindo em alto volume do meu monitor de chão (a raiz da minha lesão auditiva, estou convencido), tentando então fones de ouvido - especialmente para a sequência semicolcheia em "Vital Signs", de Moving Pictures.

O desenvolvimento natural dos monitores de ouvido resolveu meu problema de audibilidade, e essa parte do trabalho tornou-se muito mais fácil. Até a turnê Clockwork Angels, nunca havia usado um metrônomo ao vivo, exceto uma vez anos atrás para ficar em sincronia com um filme no telão. Para essa turnê foi útil, pois tivemos oito músicos na orquestra de cordas Clockwork Angels, que às vezes precisavam dele quando eu não estava tocando. Mesmo em certas passagens, quando eu tocava, o metrônomo ajudava a todos nós para que ficássemos juntos.

Eu também era obrigado a ficar no ritmo com algumas longas sequências em legato de teclados ou efeitos vocais, e o clique da pandeirola ajudou com isso também. Mesmo assim, estou contente em dizer que o clique aparece apenas em uma pequena porcentagem do show, e apenas quando absolutamente necessário - ou, pelo menos, "absolutamente útil".

Na maioria das canções, prefiro manter as coisas por mim mesmo, permitindo a banda ser um organismo vivo que respira e que pode se forçar e relaxar naturalmente. Nesses dias, muitas bandas tocam a partir de uma faixa básica programada, geralmente um programa de computador. Sempre resistimos a essa inflexibilidade.

Falando em inflexibilidade, nota de advertência - depois de alguns anos trabalhando com cliques e sequenciadores na busca desse grau de exatidão, senti que minha forma de tocar ficava cada vez mais rígida. Sendo esse o preço da precisão, eu não gostava dele - mas o que fazer? Em meados dos anos 90 estudei com o falecido Freddie Grubber, que enfatizava o movimento sobre a técnica - ou, pelo menos, o movimento a serviço da técnica - e ele me ajudou muito a me soltar. Um pouco mais de dez anos depois, no final dos anos 2000, estudei com Peter Erskine, e ele também me guiou ao longo da estrada do controle de tempo mais relaxado e da capacidade de improvisação. Devo muito a eles e ao meu primeiro professor Don George - todos contribuindo para o meu desenvolvimento ao longo do caminho.

ÚLTIMOS PENSAMENTOS

Finalmente, só posso concluir com o incentivo. Conforme reconheci anteriormente, os tempos são difíceis para músicos iniciantes - mas eles também foram claramente para mim no sul de Ontário na década de 1970. Milagres acontecem.

Talvez você seja um.

Em todo caso, com sua música lhe sustentando ou não, ainda assim ela pode nutrir você. Não é concedido a cada músico viver disso, não importa a fama e a fortuna, mas ainda assim pode ser algo gratificante para a vida toda. Conheço vários bateristas "não profissionais" que encontram alegria tocando o instrumento, às vezes com amigos e cada vez melhor. (Porque você toca. Quando as pessoas me perguntam sobre minha performance gravada favorita, fico surpreso - seu eu não achar que meu trabalho mais recente foi um avanço com relação ao passado, acho que posso desistir).

Diferente de "praticar, praticar e praticar", o único conselho incondicional que posso dar aos bateristas iniciantes é tocar ao vivo, de frente para pessoas, o máximo de vezes que puder. Ninguém te ensina mais sobre a ligação entre aquilo que o anima como músico e aquilo que anima um público. Se o ideal é tocar a música que você gosta, tendo outras pessoas que também gostam, então a definição de sorte se encaixa perfeitamente: onde a preparação encontra a oportunidade.

De fato, você não pode tocar muito por conta própria com uma banda e no palco. Como Picasso disse, "A inspiração existe, mas ela tem que nos encontrar trabalhando".

Quanto mais você praticar sua arte escolhida, a probabilidade é maior de você tropeçar na inspiração no trabalho. (Talvez seja mais seguro dizer que tropeçamos na inspiração, ao invés de algo sendo entregue do alto).

Anos atrás li sobre um tocador de tabla que praticava todos os dias, mas que dizia que em apenas dez dias foi quando sentiu que "chegou a algum lugar". Iniciando um longo período de prática diária sob os ensinamentos de Freddie Gruber em meados dos anos 90, levei isso a sério, achando que fosse verdade. O importante é se manter batendo a pedra no aço, e naturalmente você produzirá uma faísca.

Tenho conseguido um pouco de sabedoria, na música e na vida:

"A mágica acontece - mas geralmente requer algum planejamento".

Determinação também.

***

Extraído do próximo livro de Pete Vassilopoulos, Recording Drummers.