GEDDY FALA SOBRE O PASSADO, O PRESENTE E O FUTURO DO RUSH



05 DE JANEIRO DE 2016 | POR VAGNER CRUZ

Geddy Lee conversou recentemente com a revista digital norte-americana Paste, falando sobre a turnê R40 e o lançamento de R40 Live, a longevidade do Rush, a fama, o aniversário de 40 anos do álbum 2112, Ayn Rand e o que o futuro reserva ao trio. Acompanhem essa bela entrevista, inteiramente traduzida para o Rush Fã-Clube Brasil.

RUSH AOS 40 - GEDDY LEE FALA SOBRE O PASSADO, O PRESENTE E O FUTURO
Paste Magazine
28 de Dezembro de 2015

Por Mark Lore

Quando eu era um garoto que batia no braço do sofá acompanhando a MTV, o Rush estava à margem. Tudo começou ali com os vídeos para "Tom Sawyer" e "Limelight". Mais tarde, seguiu com o grupo de fumantes da minha escola - os maconheiros com a capa do álbum 2112 bordada em suas jaquetas jeans. E, claro, as rádios de rock clássico. Mas eles não me alcançaram até aproximadamente oito anos atrás, quando finalmente mergulhei neles. Comprei dois discos na liquidação e tudo começou a fazer sentido. A voz de Geddy tornou-se mais suave, não incômoda; os sintetizadores interessantes, não tolos.

Desde aquela época, vi o Rush três vezes e comprei vários outros álbuns. Agora entendo. Mesmo que alguém não curta suas músicas, os sintetizadores ou a voz (ou pelo fato dos fãs do Rush parecerem amar Dungeons & Dragons e air-drumming), você não pode negar que a banda sempre fez as coisas como queriam - por 40 anos - e trabalharam duro. Isso merece o maior respeito.

O Rush terminou sua grande turnê R40 esse ano [2015], e acaba de lançar o R40 Live (disponível em CD, DVD e Blu-ray), gravado em duas noites em Toronto. Este, juntamente com as reedições estelares e obrigatórias de se ouvir em vinil de todo o catálogo (que foram sendo lançados ao longo de 2015), mantiveram o baixista e vocalista Geddy Lee, o guitarrista Alex Lifeson e o baterista Neil Peart ocupados nesse ano.

As coisas parecem estar ficando um pouco mais brandas, mas para que fim ainda é um pouco incerto. Rumores recentes de que Peart estava se aposentando fizeram a Internet rodar - mas essa conversa, ocorrida antes de quaisquer anúncios feitos, lança um pouco de luz sobre o que o futuro reserva. Lee também olhou para os últimos quarenta anos, discutindo a "cultura geek" que é geralmente associada ao Rush e mergulhou na obra-prima da banda, 2112, que completa 40 anos no ano que vem [2016].

Paste: Então, é isso?

Geddy Lee: Bem, não sei... não consigo te dizer. A intenção não era uma turnê de despedida; era a de olhar em retrospecto e celebrar 40 anos de música. Aconteceu de nos encontrarmos em estados de espírito muito desiguais em termos de fazer grandes turnês. Neil não quer o tipo de trabalho que exige dele estar pronto para fazer shows de três horas, da forma que fizemos ao longo de vinte e tantos anos. Assim, seu interesse por esse tipo de turnê tem diminuído. Estamos assim no momento. Não significa necessariamente que não vamos fazer outro álbum juntos, e não significa que não faremos mais um show juntos. Significa apenas que, no momento, não podemos concordar em fazer outra grande turnê.

Paste: Entendi. Há bandas que estão apenas começando e que não conseguem tocar três horas.

Lee: Bem, talvez algo aconteça ao chegarmos a outra ideia sobre como fazer uma turnê. Mas, no momento, não parece algo bom.

Paste: Vi vocês em julho e foi um show sensacional - tanto o setlist quanto o design de palco. Suponho que tudo tenha sido concebido por vocês três.

Lee: O conceito para essa turnê começou com uma ideia de involução que eu tinha. Achava que seria um meio legal de fazer uma retrospectiva em algum momento, começando nos dias atuais e voltando no tempo. Em julho passado [2014], compartilhei esse conceito durante uma reunião com Dale Heslip [diretor de arte], e ele começou a expandir a ideia sugerindo que, se iríamos voltar no tempo musicalmente, porque não também voltarmos fisicamente, em um sentido mais literal?

Paste: Foi ótimo. Eu e meu amigo estávamos no show e falávamos sobre isso - sobre a sensação de um teatro rock and roll. Era algo sutil, mas que de fato te fazia prestar atenção.

Lee: Legal, fico feliz que tenham gostado. Utilizamos a teatralidade de várias maneiras ao longo dos últimos vinte, trinta anos, e muito disso era independente, aparecia nos filmes ou era feita com tecnologia. Achamos que seria ótimo ter o elemento visceral, um elemento vivo ao utilizar uma abordagem teatral. Sou um grande fã do teatro; vou muito à teatros e quis trazer esse elemento.

Paste: Gostei principalmente do pequeno aceno quando trouxeram o recorte de papelão do KISS.

Lee: [Risos] Algumas dessas coisas eram improvisadas por nossa equipe conforme a turnê seguia. Dávamos completa amplitude aos caras da equipe para trazerem algo que quisessem adicionar ao show. Há caras que passam um bom tempo em cada cidade tentando inventar alguma surpresa para nós no palco, e esse lance do KISS foi uma dessas ideias [N. do T.: Essa homenagem divertida ao KISS ocorreu no bis do show em Irvine, Califórnia (Irvine Meadows Amphitheatre), no dia 30 de julho de 2015].

Paste: Como foi preparar essa turnê? Parece que, com poucas exceções, vocês podem tocar qualquer música do catálogo.

Lee: Fomos mais impulsionados pelo fato de que, se estávamos comemorando 40 anos de música, tínhamos que incluir várias daquelas que foram consideradas os pontos altos. Não apenas os pontos altos no sentido de apelo às massas, mas os pontos altos em termos de músicas que foram mais influentes, e que ajudaram a nos destacar de outras bandas. Ao voltarmos no tempo, incluímos muitas músicas instrumentais e algumas que não tocávamos há um bom tempo. Essas foram as coisas que sabíamos que nossos fãs adoravam e que amariam ouvir novamente.

Paste: Vocês conseguiram isso, e com sucesso.

Lee: Algumas das canções foram bem difíceis de reaprender [risos]. Somos fanáticos por ensaiar, ensaiamos muitas coisas para cada turnê. Geralmente começamos, eu diria, com duas semanas inteiras apenas ensaiando sozinhos, lembrando partes das canções. Depois, ensaiamos durante um mês e meio como banda, e é aí que fazemos os cortes finais definindo as canções aprovadas - canções ainda posso cantar no registro [risos]. Depois, terminamos com aproximadamente duas semanas de ensaios de plena produção, onde ensaiamos todos os aspectos teatrais durante o mês inteiro. É muito trabalho, mas muita diversão ao mesmo tempo.

Paste: Olhando de fora para dentro, parece que vocês sempre tiveram o controle completo de suas carreiras - de forma criativa e em termos de negócios, entre outros aspectos. Já houve algum momento em que vocês não se sentiam no controle?

Geddy: Há certas coisas que estão fora do seu controle: se alguém quer vir ver você tocar, se alguém quer tocar sua música nas rádios, se alguém está disposto a abrir o bolso e comprar algo que você produziu. Assim, nos preocupamos apenas com o que podemos controlar, fazendo a música que queremos fazer. E sempre fizemos as mesmas para nos satisfazer em primeiro lugar, esperando que funcionem da mesma forma para os fãs.

Paste: O Rush geralmente é visto como a antítese das estrelas do rock. Você, Alex ou Neil possuem quaisquer excentricidades das estrelas do rock que talvez as pessoas não conheçam?

Lee: [Risos] Bem, acho que nós três temos os nossos momentos de estrelas do rock; acho que todos nós gostamos de usar os nossos nomes para conseguir uma boa mesa em um restaurante. Nós três temos os nossos excessos. Neil adora carros esportivos caríssimos. Alex tem muito orgulho de sua sofisticada coleção de maconha [risos]. E eu fico orgulhoso com a minha coleção de vinhos. Todos temos as nossas próprias maneiras de nos dedicarmos a nós mesmos, baseados nos frutos do sucesso que conseguimos. E somos muito gratos por isso. Mas somos caras bem pés no chão.

Paste: O Rush tem sido sempre abraçado pela "cultura geek". Alguma ideia do porquê isso acontece?

Lee: Acho que há toda essa imagem das pessoas que gostam das espadas e da magia, da música que traz a fantasia encontrando a tecnologia... dos fanboys que adoram todas as coisas geeks e nerds - daí, todos os fãs do Rush são geeks e nerds. Tenho certeza que há um corte transversal enorme na nossa base de fãs que não está muito longe dessa descrição [risos]. Porém, acho que generalizamos, pois há muitos outros, e cada vez mais - como as mulheres, e até mesmo aqueles que podem se considerar levemente descolados [risos].

Paste: [Risos] Sim, parece que virou piada o fato da fila das mulheres nos banheiros em shows do Rush serem sempre pequenas.

Lee: Tenho que te dizer que alguém veio a mim nessa turnê afirmando que havia uma fila de verdade no banheiro das mulheres em um dos nossos shows. Estamos progredindo nessa área.

Paste: Esse é um tipo de pergunta ampla, mas qual é a coisa mais importante que vocês aprenderam ao longo desses 40 anos tocando música?

Geddy: Puxa, não sei. É uma pergunta difícil de responder. Sabe, tive muita sorte na vida de encontrar grandes parceiros que queriam montar uma banda comigo, ou continuar em uma banda comigo. E fomos capazes, à nossa maneira, de saciar nosso lado egoísta sendo compositores por tanto tempo. Ao longo do caminho, meio que descobrimos, ao mesmo tempo, como sermos compositores dignos. Não há dúvidas quando você ouve nossa música: é música de músicos, conduzida por músicos. Mas acho que meio que nos adaptamos, sendo capazes de continuar nos adaptando por mais de 40 anos. Acho que nossa capacidade de adaptação é o que tiro de tudo isso.

Paste: Quando você e Alex começaram a banda no começo de todos esses anos, você achava que seria apenas um projeto que fariam antes de irem para a faculdade?

Geddy: Não, estávamos mergulhando em uma banda de rock que permaneceria por 42 anos - esse era exatamente o nosso plano [risos]. Não sabíamos que diabos estávamos fazendo, então encaramos. Queríamos estar juntos em uma banda de rock, queríamos torná-la grande, pois isso é o que todos os garotos dizem quando ingressam em uma banda. Não éramos diferentes de qualquer outra banda de garagem no planeta. Tivemos delírios de grandeza, achávamos que poderíamos crescer e sermos bem sucedidos, mas não tínhamos ideia do que isso significava - e não tínhamos ideia de como fazer acontecer. Éramos apenas pós-adolescentes desastrados tentando compor canções rock.

Paste: E então se encontraram.

Geddy: Sim, tempos depois. Suas mais diversas influências aparecem, e elas vão se tornando menos identificáveis também. Quanto mais você impor personalidade em sua música, mais cedo você irá criar seu próprio som. Leva tempo, e é preciso crescer.

Paste: O 40º aniversário de 2112 está chegando em fevereiro. Esse disco foi um salto enorme em relação aos discos anteriores. Com Caress of Steel, vocês se moviam para um território progressivo. Mas, o que levou vocês a tal progresso naquela época, tanto musicalmente quanto conceitualmente?

Lee: Bem, acho que 2112 foi um momento estranho, pois tínhamos acabado de terminar uma turnê que foi um desastre absoluto, e tínhamos acabado de finalizar um álbum que foi insultado pela gravadora e que não vendeu muito bem. As pessoas estavam começando a olhar para nós como um péssimo retorno de investimento. Por isso, estávamos bastante desanimados - diria que a qualidade dos nossos shows estava indo para o Sul, e não para o Norte. Assim, quando fizemos 2112, foi uma maneira de dizermos um para o outro: "Olha, se vamos cair, vamos cair fazendo o que queremos fazer, o que acreditamos estarmos destinados a fazer". Assim, ao invés de abandonar o álbum conceitual, com a pressão que todos faziam sobre nós após Caress of Steel, decidimos lançar outro do mesmo tipo. Felizmente, fomos muito melhores nesse [risos]. Acho que um pouco do nosso desespero e paixão veio nesse disco; era mais fluido e tinha um foco mais claro. Acredito que tenha sido parte do processo de aprendizagem, mas também muito mais uma reação à pressão que estávamos enfrentando sobre nos tornarmos comerciais.

Paste: Obviamente, vocês eram perguntados sobre a influência dos escritos de Ayn Rand em 2112. Na sua opinião, qual a desconexão de como, digamos, Neil percebia seu trabalho 40 anos atrás com o conservadorismo moderado de 2015?

Lee: Bem, acho que há várias mensagens sobre os escritos de Ayn Rand que são colocadas por aí. Algumas delas falam sobre o individualismo, outras são interpretadas muito mais como uma declaração política de envolvimento não-governamental. Para nós, o ponto sobre o individualismo foi o mais apropriado e influente em termos de compromisso como artistas - sua história em The Fountainhead, em particular, fala de um arquiteto que se recusa a comprometer seus valores e sua estética. Quando se é uma banda jovem que está em um meio ganancioso como a indústria musical, há muita pressão sobre você no que tange comprometer sua música para escrever canções de amor de três minutos. Quando você lê um livro desses, ele tem um efeito profundo em termos de reforçar sua crença de que fazer música deve ser a música que você quer fazer, e não a música que outras pessoas querem que você faça para encherem os bolsos. O que quero dizer é que você pode ser Rand Paul, que usará os escritos de Ayn Rand para justificar o corte total de impostos, mas não é dessa merda que estamos falando [risos].

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