SECRET TOUCH



VOLTAR PARA "VAPOR TRAILS"
VOLTAR PARA DISCOGRAFIA
VOLTAR PARA LETRAS E RESENHAS

VAPOR TRAIL  SECRET TOUCH  EARTHSHINE


SECRET TOUCH

The way out
Is the way in
The way out
Is the way in...


Out of touch
With the weather and the wind direction
With the sunrise
And the phases of the moon
Out of touch
With life in the land of the loving
With the living night
And the darkness at high noon

You can never break the chain
There is never love without pain
A gentle hand, a secret touch on the heart

Out of sync
With the rhythm of my own reactions
With the things that last
And the things that come apart
Out of sync
With love in the land of the living
A gentle hand, a secret touch on the heart

A healing hand, a secret touch on the heart

There is never love without pain
Life is a power that remains
TOQUE SECRETO

A saída
É a entrada
A saída
É a entrada...


Fora de contato
Com o tempo e a direção do vento
Com o nascer do sol
E as fases da lua
Fora de contato
Com a vida na terra dos amantes
Com a noite viva
E a escuridão ao meio-dia

Você nunca pode quebrar a corrente
Nunca há amor sem dor
Uma mão suave, um toque secreto no coração

Fora de sincronia
Com o ritmo das minhas próprias reações
Com as coisas que duram
E as coisas que se desmancham
Fora de sincronia
Com o amor na terra dos viventes
Uma mão suave, um toque secreto no coração

Uma mão que cura, um toque secreto no coração

Nunca há amor sem dor
A vida é um poder que permanece


Música por Geddy Lee e Alex Lifeson / Letra por Neil Peart


Marcas da vida que afetam a sincronia com o mundo

A oitava faixa de Vapor Trails é reservada à robusta e vigorosa "Secret Touch". Foi o segundo single para o álbum, lançado em 10 de junho de 2002 alcançando a 26ª posição na Mainstream Rock Tracks Chart da Billboard. De início calmo e melódico, a canção se revela com os instrumentos sendo acionados em profunda e envolvente sutileza, combinados aos vocais introspectivos de Geddy Lee, estes que também surgirão à frente nos refrões. Tudo soa como uma instigante preparação de poucos segundos, interrompidos subitamente pela detonação de uma urgência sonora poderosa e surpreendente, que entrega um cenário pesado e coeso mudando definitivamente o curso mais ameno proposto nas três construções anteriores.

"'Secret Touch' mostra um pouco de extravagância", diz Lee. "Construímos a composição em cima de acordes graves e repetitivos que para mim soavam como uma trompa francesa. No começo, a canção trazia apenas uma sensação hipnótica - mas não estávamos felizes em conseguir somente isso. Queríamos torná-la mais pesada, dando-lhe poder. Quando chegamos ao trecho médio, no momento em que causa todo aquele estrago, resolvi fazer algumas pontuações balbuciantes no baixo, duplicando todas elas. Manipulei digitalmente as notas em uma dessas faixas, a fim de parecerem mais bruscas e incisivas".

Com a banda apostando novamente na fórmula isenta de teclados, "Secret Touch" pode ser definida como uma das canções de mais peso e energia em Vapor Trails. Brilhante e positiva, os músicos oferecem uma sintonia muito eficaz e dinâmica, borbulhando adrenalina e vitalidade após a leveza de sua introdução. Ainda perseguindo o formato de versos intensos permeados por refrões eufônicos, os três músicos conseguem exibir simplicidade ao longo de ideias únicas e de grande sinergia nos instrumentos, seja na percussão incansável com movimentos tribais, nas guitarras em chamas onipresentes ou nas incríveis linhas de baixo hiperativas tocadas por um só dedo, tudo acionado com impressionante velocidade. Os vocais de Lee, agora bastante agressivos, revelam sua grande inteligência e versatilidade na ação, e os riffs e licks, sempre envolvidos por deslumbrantes variações texturais, podem ser considerados como alguns dos mais poderosos já idealizados por Alex Lifeson. O desenvolvimento da canção deságua numa atmosfera ainda mais incrível em seu trecho mediano, com os elementos musicais intensificando a fugacidade primordial e exaltando outra característica muito significante no álbum: a opção por composições rock pungentes que fogem do formato comum com solos de guitarra, preferindo pausas para complexas variações instrumentais. "Secret Touch" termina de forma espetacular, mergulhando o ouvinte em uma ótima jam jazzística, enfatizando o obscuro reencontro interior proposto na letra.

"Sim, me desenvolvi nesse estilo pateta", diz Geddy Lee, sobre sua pegada flamenca no baixo. "Um amigo me disse que sou o único baixista que faz isso no rock. Quis mergulhar nessa maneira estranha de manipular as cordas. Uso meus dedos movimentando-os para cima e para baixo, sem fazer slaps. Minha unhas ficaram bem duras, e com elas consigo uma sensação muito mais rítmica daquilo que estou fazendo. Tudo isso ajuda na obtenção de uma sensação mais funky para a minha forma de tocar, colaborando nos grooves. É como um guitarrista funk utilizando palheta, mas não uso palheta - meus dedos funcionam como uma".

"Costumava observar meu amigo Jeff Berlin fazendo isso. Lembro-me de ter dito que queria aprender a fazer, e ele me disse, 'Não, não aprenda! Isso destruirá todos os baixistas! Apenas toque, cara!'".

"Foi difícil", diz Lee, sobre a interpretação das letras de Peart para Vapor Trails. "Tive muitas idas e vindas, tomando aquelas experiências pessoais tentando aceitá-las, entendê-las e expressá-las. Me senti bem de certa forma - me senti bem para cantá-las. Senti que havia várias coisas que ninguém estranharia ou que não teria intimidade. Foi uma experiência fantástica para todos nós".

"Na banda, olhamos um para o outro como uma unidade. Estou num trio de hard rock que sempre traz vários solos, e a minha atividade durante um solo de guitarra é bem dinâmica. Assim, não soa vazio quando a guitarra rítmica sai de cena. Esse foi o conceito criado em nossa relação, retomando o Cream: quando Eric Clapton solava, Jack Bruce e Ginger Baker se retiravam. O guitarrista fazia coisas lindas e melódicas, e os outros dois ficavam em fúria ao fundo. Dessa forma, acredito que o meu trabalho seja ficar em fúria no fundo
[risos]".

"Nos estendemos nos solos como a parte principal da música, desenvolvendo um estilo no qual forçamos uns aos outros - não em termos de estarmos mais atarefados, mas para adicionar influencias como o funk e as big bands - tudo o que pudermos absorver. Neil sempre diz que as notas que toco fazem seu bumbo soar mais suave, mas eu sinto o oposto - sua complexidade faz parecer que estou fazendo mais do que realmente estou. Como resultado, nos fazemos soar melhores".

"Nós nos ouvimos, e isso é tudo. Nos ouvimos entendendo o estilo um do outro, sempre tentando nos encaixar. Quando músicos se encontram pela primeira vez fazer uma jam, eles se mostram muito atentos, certo? Tentamos manter isso, pois, se você tocar com alguém que não conhece sem estar atento, não haverá a jam".

"Acho que 'Secret Touch' é a minha música favorita em Vapor Trails"
, afima o baixista.

Nessa faixa, Neil Peart prossegue investindo na exposição das percepções, reflexões e aprendizagens provenientes da sua jornada de cura, baseando-se mais uma vez em figuras de elementos naturais para definir, de forma edificante e inspiradora, a motivação e o exato momento em que se aproxima novamente da vida. Conhecido como um grande admirador da literatura, ele vislumbrou seus próprios dramas no romance Victory, publicado em 1915 pelo escritor britânico Joseph Conrad (1857 - 1924). Peart decidiu mergulhar na obra por acaso durante suas viagens, após ler uma antiga carta de felicitações do autor, jornalista e ativista social norte-americano Jack London (1876 - 1916), na qual parabenizava o amigo Conrad pela obra. Experimentando sensações do chamado Spring Fever, termo aplicado ao conjunto de sintomas físicos e psicológicos associados à chegada da primavera que, em geral, fornecem um aumento de energia e vitalidade particularmente forte em pessoas que sofrem um transtorno afetivo sazonal, Victory acabou ganhando grande significância para o baterista, contribuindo para letras pungentes e rendendo-lhe a frase central da canção e exprime talvez todo o processo que transformou seu luto no reencontro do amor: o toque secreto no coração.

"Estava aprendendo uma lição sobre o quanto poderia 'controlar' meus sentimentos e, ao longo do caminho, adotei um novo lema: 'Você não pode dizer a si mesmo como se sente'. Como nos romances de serendipidade, que às vezes fornecem ou revelam, aconteceu-me o spring fever no momento em que lia Victory, de Joseph Conrad (que fui inspirado a pegar por causa de uma carta de fã escrita por Jack London, parabenizando o autor). Fiquei impressionado com os paralelos entre as minhas experiências recentes e seus efeitos com o personagem principal, Heyst. Enquanto lia, algumas vezes parava para copiar uma passagem no meu diário, por refletirem de forma tão maravilhosa meu próprio estado".

Victory aborda a tragédia de não conseguir se encontrar no mundo sem conseguir escapar dele. Partindo do teor de constante aventura, o romance traz um subtexto totalmente existencial, pessimista e labiríntico. Axel Heyst é um holandês que escolhe o isolamento em uma ilha nos mares do Sul da Ásia após viver o fracasso de um empreendimento comercial, no qual se envolvera mais por acaso do que por vontade. A partir de então, ele procura viver sem se envolver com a vida, com a história expondo inicialmente sua forte carga de auto-isolamento e ódio profundo. Mas, assim como para Peart, a vida acaba procurando-o. De passagem numa cidade próxima, ele encontra Alma (mais tarde chamada Lena), uma violinista inglesa de um grupo de músicos viajantes, sentindo-se subitamente atraído por ela. A aproximação começa a enfraquecer suas barreiras, com as certezas do seu mundo vazio e particular lhe colocando em xeque. A característica mais formal de Victory é sua narrativa inconstante e a perspectiva temporal, com a primeira seção apresentando o ponto de vista de um dos marinheiros próximos ao protagonista e, em seguida, partindo da perspectiva onisciente de Heyst através do seu olhar interior. Peart inclusive citou trechos da obra em seu livro, que funcionavam como um espelho das suas próprias transformações:

Para onde ele teria ido após todos esses anos? Nenhuma alma que lhe pertencesse vivia em qualquer lugar da Terra. Ele tinha se dado conta recentemente deste fato - não tão remoto, apesar de tudo -, porque é o fracasso que faz o homem entrar em si mesmo e reconhecer os seus recursos. E, apesar de ter decidido se retirar do mundo como um eremita, ainda assim irracionalmente era atingido por uma sensação de solidão que tinha lhe acometido no momento da renúncia. Isso o machucava. Nada é mais doloroso do que o choque das contradições agudas que laceram nossa inteligência e nossas emoções.

[...]

"Vou me deixar levar pela corrente", disse Heyst a si mesmo, deliberadamente.

Ele não queria dizer isso em um sentido intelectual, sentimental ou moral. Ele queria se deixar levar inteira e literalmente, corpo e alma, como uma folha solta levada pelas correntes de ar debaixo das árvores imóveis de uma floresta - para vagar sem nunca se agarrar a nada.


"Esta deverá ser minha defesa contra a vida", ele disse a si mesmo, com a consciência interior de que não havia outra alternativa válida para o filho de seu pai.


Tornou-se um vira-lata e um vagabundo, austeramente, por convicção, enquanto outros fazem por causa da bebida, do vício ou por alguma fraqueza de caráter - fez com deliberação, enquanto outros o fazem por desespero. Essa, despida dos fatos, tinha sido a vida de Heyst até aquela noite perturbadora. No dia seguinte, quando viu a garota chamada Alma, ela deixou nele, com seu jeito de olhar com uma ternura franca, rápida como um raio, uma impressão profunda, um toque secreto no seu coração.


A frase "There is never love without pain" ("Nunca há amor sem dor") vem de Sister of My Heart, obra de 1999 da escritora e poeta indo-americana Chitra Banerjee Divakaruni. Na história, Anju é filha de uma ilustre casta de Calcutá e Sudha, por sua vez, da chamada ovelha negra da família. Uma é deslumbrante, a outra simples. Apesar das diferenças, uma forte ligação surge entre elas desde o nascimento. Esse vínculo profundo é ameaçado quando Sudha descobre um terrível segredo familiar, e a palavra desconfiança faz sentido para elas pela primeira vez. Conduzidas a casamentos arranjados, suas vidas tomam rumos diferentes: uma vai para os Estados Unidos, e a outra fica na Índia. Somente quando uma grande tragédia as atinge, Sudha e Anju descobrem que, apesar da distância e dos casamentos, precisam estar juntas novamente. O livro mostra uma narrativa poética e apaixonante sobre afetos, ódios, ciúmes, desejos e mistérios que envolvem as emoções humanas em qualquer parte do mundo.

Segundo Peart, outra inspiração para "Secret Touch" vem do artigo Night Eyes - What Do Dreams Want?, do escritor e psicólogo norte-americano Marc Ian Barasch. Publicado no final de 2000 pela revista Utne Reader, Night Eyes acabou contribuindo com ideias para a frase "The way out is the way in" ("A saída é a entrada"), o que o letrista chamou de "mantra enigmático".

O Arcano do tarô que representa "Secret Touch" é o Eremita. Simboliza isolamento, restrição e afastamento, cortando laços (temporários ou não) com a sociedade para a busca do conhecimento sobre o que o rodeia e também para se autoconhecer. A carta pode significar uma referência a algo que estava perdido ou uma revelação importante. A luz que o Eremita carrega o envolve e o inclina à pesquisa paciente e aos estudos, ou faz com que se sinta incentivado a retomar algo abandonado há muito tempo. Porém, não há a garantia de progresso, pois sua influência é neutra - apenas recomendando paciência e dedicação e aconselhando a observar o caminho antes de cada novo passo. Revela, portanto, um espírito de sacrifício, prudência, discrição, recuo e vigilância.

As abordagens humanas fundamentais e existenciais tratadas por Peart na maioria de suas composições são brutalmente impostas a ele por seus trágicos acontecimentos. O geral se torna específico, e o abstrato da condição humana é experimentado de forma concreta, o que coloca em cheque seu impulso primordial de vida e seu profundo otimismo pela sobrevivência. A resposta adaptativa final para ele é, ironicamente, uma espécie de fé secular nas crenças únicas da esperança e do amor, e tais ênfases refletem o momento real de sua consciência que havia, nos últimos tempos, se modificado de existencial para trágica.

Em alguns momentos de sua jornada, Peart questionava se seria capaz de amar novamente. Em "Secret Touch", ele descreve como seu drama o fez desconectado e dessincronizado do mundo ao redor, seja dos elementos naturais que sempre admirou, das pessoas sobre as quais sempre se preocupou e até mesmo das suas próprias reações. Porém, de forma muito especial, ele aborda o momento crucial do retorno, expondo imagens sobre o processo de cicatrização de suas dores e a experiência de se interessar novamente por alguém, o que o faz voltar à tona. Seu isolamento e introspecção foram o caminho e a saída, onde pôde encarar suas condições e compreender com profundidade sua situação, se fortalecendo dia após dia. Basicamente, por mais confusa e desesperadora a realidade possa se mostrar, somente o coração, ao experimentar a suavidade de um momento único e especial, poderá fazer com que a escolha a partir dali seja, de fato, seguir em frente.

Antes de retomar sua vida e seu trabalho com o Rush, Peart conheceu e se apaixonou não somente por uma pessoa, mas novamente pela vida. Ele encontrou a fotógrafa norte-americana Carrie Nuttall, abraçando fortemente o momento com a "alegria de conhecê-la, e a inspiração de ser amado por ela". Sem esse toque secreto, provavelmente o mundo jamais conheceria o retorno do admirável e lendário baterista. O amor se revela, portanto, como um dos motivos líricos mais importantes em Vapor Trails, aqui abordado concretamente e revelando-se como o toque de uma mão suave curativa. Peart sabe que o nobre ato de amar, inevitavelmente, sempre será acompanhado de momentos dolorosos, o que nos leva a pensar em desentendimentos, mágoas e, acima de tudo, perdas. Mas o próprio sentimento genuíno, que nasce naturalmente, pode nos levar de volta à vida.

"De pé no píer de Santa Mônica, o final extraoficial da Rota 66 (a 'estrada fantasma'), percebi que aquele era um lugar perfeito para me dar conta, de repente, de que a estrada do Ghost Rider também terminava ali. Eu não era mais um eremita, não era mais um cigano, não era mais uma personalidade dividida: estava me tornando um só novamente (embora não mais um homem sozinho), com uma vida repleta de alegria e significado, passando os dias e as noites em um lugar ao qual pertencia - ao lado da mulher que me amava tanto, Carrie".

"Tinha encontrado meu lugar de descanso e de redenção, e o trabalho do Ghost Rider estava encerrado. Agora ele poderia seguir seu próprio caminho, avançando até o final daquele píer e entrando diretamente no pôr do sol".


© 2016 Rush Fã-Clube Brasil

CONSIDINE, J. D. "Rush: Chronicles". Guitar Legends / Rush Special Collector's Edition. December 2007.
CONSIDINE, J. D. "Working, Man!". Guitar World's Bass Guitar. August/September 2004.
CORYAT, K. "Track By Track: Geddy Lee On Rush's Vapor Trails". Bass Player. July 2002.
PEART, N. "Behind The Fire - The Making Of Vapor Trails". The Vapor Trails Tour Book. 2002.
PEART, N. "Ghost Rider: Travels on the Healing Road". ECW Press. September 1, 2002.