40 ANOS. 40 MILHÕES DE DISCOS

Mais de 40 milhões de discos vendidos em todo o mundo. Inúmeras turnês esgotadas. A estrela na Hollywood Walk of Fame. Presença no Rock and Roll Hall of Fame. Oficiais da Ordem do Canadá. Tudo isso é muito bom, mas, para esses três caras, o que mais importa é a música, a amizade entre eles e os fãs.

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Como a maioria das grandes bandas, o Rush é resultado de um trabalho de vários anos que só veio ao público depois de muita estrada. Foram momentos de grande aprendizado, marcantes na história oficial do grupo.

Tudo começou por volta de 1966 em Toronto (Canadá), quando o adolescente Alex Lifeson, de apenas 13 anos, topou com um garoto da mesma idade chamado John Rutsey, que era baterista. Juntos, começaram a ensaiar um protótipo de banda que recebeu o nome de The Projection. Sem baixo, teclados e vocais, a aventura era, na verdade, apenas uma válvula de escape para os sonhos rock and roll dos garotos, com o jovem guitarrista emulando os heróis Jimi Hendrix e Eric Clapton e o baterista tentando simular as peripécias rítmicas de seu ídolo Keith Moon, do The Who.

Nas palavras de Lifeson:

"Tratava-se apenas de uma bandinha de porão. Tocávamos em festas e nunca ganhávamos dinheiro. Éramos horríveis!"

Alex tinha um amigo que havia conhecido durante as aulas de história do Fisherville Junior High School. Seu nome era Gary Lee, ou simplesmente Geddy. Geddy tinha uma guitarra e um amplificador que ocasionalmente emprestava a Lifeson, porém ainda não haviam tocado juntos. Percebendo a necessidade de aprimorar seu som, o Projection recrutou um outro rapaz, Jeff Jones, para assumir o baixo e os vocais. Com uma nova formação, o grupo decidiu mudar de nome. Bill Rutsey, o irmão mais velho de John, trouxe a sugestão: "Que tal Rush?". Feito. Um nome simples, mas com muita força, movimento, energia e urgência. Todas as características presentes no som do novo trio que ainda flutuava na onda psicodélica do final dos anos de 1960.

Em 1968 o grupo já havia fechado para se apresentar às sextas feiras no chamado Coff-In, local onde eram realizadas pequenas festas e que funcionava no porão de uma igreja anglicana. No repertório, seriam apresentadas canções como 'Gloria', do grupo Them e 'Satisfacton', dos Rolling Stones. Tudo correu normalmente na estreia, mas, pouco antes da segunda noite, o baixista Jones resolveu deixar o grupo. Lee, que nesse momento já havia desistido da guitarra e optado pelo baixo, foi convocado pelo amigo Lifeson. Dessa vez não era o amplificador que Lifeson queria emprestado, e sim o baixista.

Estava formado portanto o embrião do Rush. Os garotos foram aumentando seu repertório de covers, tocando músicas do Traffic, Cream, John Mayall's Bluesbreakers, Ten Years After e outros artistas do blues inglês da época. Com a qualidade musical sendo aperfeiçoada, o nome Rush começava a ecoar. Logo apareceram novas apresentações conseguidas pelo trabalho do jovem Ray Danniels, que já havia assumido a função de empresário do grupo. Em novembro de 1968 a banda ainda precisava pedir emprestado equipamentos para seus shows. Nesse período, um rapaz chamado Lindy Young, que era irmão de uma amiga de Alex, havia ganhado uma Gibson Firebird. Alex ficou encantado com a guitarra e persuadiu a amiga a convencer o irmão a emprestá-la. Lindy não apenas a emprestou como se ofereceu para tocar piano e algumas bases para o grupo, o que aconteceu. Sua participação foi tão positiva que, em janeiro de 1969, o Rush fez seu primeiro show com um quarto integrante.

A inclusão de Lindy Young deixou o som do grupo mais coeso. A popularidade dos garotos aumentava cada vez mais e as apresentações iam ficando mais frequentes. Só que, de acordo com alguns relatos, um problema delicado ocorreu: John Rutsey começou a ter ciúmes de Geddy Lee que, por ser o vocalista, chamava mais atenção nos shows. E, devido a isso, John convenceu Alex e Lindy a tirar Lee da banda, em maio de 1969.

Para o lugar dele, entrou Joe Perna e os membros decidiram mudar o nome da banda. Sai Rush, entra Hadrian.

Hadrian, 1969: Joe Perna (baixo), Alex Lifeson (guitarra), John Rutsey (bateria) e Lindy Young (teclados)

Após deixar do Rush, Geddy entrou para uma banda de rhythm and blues chamado Ogilvie, que também era empresariada por Ray Danniels. É importante mencionar que, enquanto o antigo Rush tinha dificuldades para conseguir novos shows como Hadrian, a banda de Geddy Lee, que já havia mudado de nome para Judd, começava a se destacar no circuito de points da cidade.

O mês seguinte marcou o fim do Hadrian. Lindy e Joe abandonaram o barco e, em setembro do mesmo ano, era a vez do Judd também chegar ao fim. Sabendo que a banda de Lee também havia acabado, Lifeson decide chamá-lo para, junto com Rutsey, remontarem o Rush. Lee aceitou. Um fato curioso é que, até então, os vocais de Lee não eram tão agudos e nervosos. Ele passou a cantar dessa forma por influência do primeiro disco de uma nova banda inglesa que surgia e encantava o mundo: Led Zeppelin. Não só os timbres vocais alteraram-se, mas também a relação dos três músicos como banda. Se antes haviam composto apenas uma primeira música, 'Losing Again', agora enriqueceriam as novas apresentações com 'Run Willie Run', 'Child Reborn' e 'Number One'.

Até o início 1971, o Rush continuava a tocar somente em escolas e ginásios. Nesse período, decidiram trazer novamente um quarto integrante, Mitch Bossi, que faria a guitarra base. Logo Lee, Lifeson e Rutsey perceberam que Bossi encarava a banda apenas como um hobby e, dessa forma, dispensaram-no. Em setembro desse mesmo ano os três integrantes já haviam completado 18 anos e isso permitia aos garotos se apresentarem em bares, pubs e clubes noturnos. Com isso, deixaram a escola e passaram a dedicar-se inteiramente a música, compondo cada vez mais material próprio, como 'Garden Road' e 'Fancy Dancer'.

Rush como quarteto em 1971: Alex Lifeson, Geddy Lee, John Rutsey e Mitch Bossi (sentado)

Lifeson aprofundou-se nos estudos de guitarra e, durante seis meses, em 1972, freqüentou aulas de violão clássico e flamenco. Com a ajuda de Ray Danniels, o grupo entrou no estúdio para registrar em takes únicos suas melhores composições numa fita demo. Devido a um orçamento limitado, as sessões de gravação eram marcadas para altas horas da noite, quando o movimento na maioria dos estúdios era mais fraco, tendo assim preços mais acessíveis - fato comum entre as estrelas do rock que ascenderam nesse período. Nessas sessões noturnas os rapazes gravaram canções como 'In The Mood' e 'Working Man', entre outras. Na Toronto desse período, o que ganhava espaço nas rários era o chamado soft rock. Como o Rush possuía uma pegada mais pesada, a demo foi relegada ao esquecimento e, infelizmente, perdida no tempo. Porém, mesmo com todas as dificuldades, Ray Danniels não desistiu de encorajar os garotos, convidando Vic Wilson, outro produtor artístico da área e, juntamente com ele, montou sua própria empresa de agenciamento e produção, a SRO Productions, além de um selo para lançar o material do Rush, a Moon Records.

Árvore genealógica oficial do Rush

Nesse momento os integrantes do Rush já estavam mais profissionais e foram um pouco mais sofisticados na nova gravação, um single de 45 rotações com duas músicas. No lado A constava uma versão para 'Not Fade Away', de Buddy Holly, o único cover que a banda havia gravado em toda pequena carreira. E no lado B havia 'You Can't Fight It', uma composição de autoria de Lee e Rutsey que já demostrava o estilo do trio canadense.

O single vendeu pouco, mas Danniels não se entregava, apostando tudo na força dos jovens músicos. A ideia da vez foi chamar David Stock, um produtor local de jingles e expert em estúdio. Começaram os trabalhos com 'Not Fade Away', seguindo também com as músicas que formariam o primeiro álbum oficial da banda.

O grupo não ficou feliz com o que ouviu após o término das gravações. Stock não havia conseguido captar a essência da sonoridade, deixando algumas músicas com timbres muito pobres. Com isso, o incansável Danniels não desistiu e resolveu, a partir do seu próprio bolso, a contratação de um produtor mais experiente (e mais caro). Começou então aí a relação do Rush com Terry Brown, que já havia trabalhado com bandas como Procol Harum e April Wine. Rapidamente, ele percebeu que as três primeiras músicas gravadas anteriormente com Stock apresentavam problemas e precisavam passar por um novo processo de gravação. As demais faixas necessitavam apenas de uma nova mixagem. Nesse momento, o trio descartou 'Not Fade Away' e colocou no lugar desta outra de sua própria autoria, 'Finding My Way'. Em dois dias Brown já havia conseguido remixar todo o trabalho e o álbum estava completamente pronto.

A gravadora London Records distribuiria o disco com a prensagem inicial de mil cópias. Com mais um ano de fé no jovem grupo, Danniels bancou uma tiragem de 3.500 cópias. Estava tudo certo para o lançamento do disco em dezembro de 1973. Porém, por problemas econômicos que atingiram todo o mundo em decorrência da crise do petróleo, a aguardada estreia em vinil foi remarcada para janeiro de 1974.

Pouco tempo depois, o Rush já abria shows em turnês de grupos como New York Dolls e ZZ Top. Muitas cópias do primeiro disco foram enviadas a gravadoras, selos, estações de rádios e produtoras de shows. Um desses exemplares foi parar nas mãos da DJ Donna Harper da WMMS-FM, uma rádio de Cleveland, Ohio, que passou a tocá-lo exaustivamente em sua programação. Devido à boa audiência de seu programa, Donna foi a maior responsável pela popularização do grupo canadense para o público americano. E foi lá, nos EUA, que as portas para o longo caminho de sucesso do Rush começaram a se abrir.

A capa original do disco de estreia

Com isso, no início de 1974, algumas rádios americanas receberam um pacote contendo um disco de capa simples, que trazia apenas a palavra 'Rush' em um tom forte de vermelho. Passaram a tocá-lo, confundindo muitos ouvintes que achavam se tratar de um novo LP do Led Zeppelin. As guitarras 'pageanas' de Lifeson e a estrutura das músicas baseada na mistura de blues pesado e hard rock apresentadas não eram novidade na época. Contudo, percebia-se claramente que existia uma personalidade musical forte e bruta, que poderia ser ainda amaciada e aperfeiçoada.

Falando do disco em si, a abertura com 'Finding My Way' demonstrava a necessidade do grupo em se libertar de qualquer amarra conservadora, indo em busca do seu próprio caminho. Porém, ao mesmo tempo, era visível a dubiedade do comportamento jovem em precisar voltar para o lar. Canções como 'What You’re Doing' e 'Need Some Love' entregavam o jogo, configurando as inquietações pós-adolescentes dos garotos apaixonados por música alta, pesada e de dinâmica variada. Já 'In The Mood' mostrava um lado sarcástico, enquanto 'Here Again' era o que mais se aproximava de uma balada. Fechando o disco, 'Working Man', que possuía um riff carregado e marcante e que era, de longe, a faixa mais representativa do disco. Portanto, com esse trabalho, o Rush estreava de vez, colocando os pés nas fronteiras do rock internacional.

Enfim, ainda no verão do hemisfério norte em 1974, todos os anos mergulhados na tentativa de sobrevivência musical pesaram para o baterista John Rutsey. Ele começava a dar sinais de insatisfação com o início de vida no mundo da música. Agravada ainda por problemas relacionados a diabetes, a decisão de deixar o Rush parecia certa em sua cabeça, justamente após a gravadora americana Mercury oferecer um contrato de relançamento oficial do disco nos EUA, preparando o que seria a primeira grande turnê da banda canadense.

Portanto, com a saída de Rutsey e prestes a excursionar pelos EUA, Lee e Lifeson estavam agora à procura de um baterista, sendo avisados da existência de um talentoso jovem canadense recém chegado da Europa que tocava numa banda local chamada J.R. Flood. Foram à sua procura.


O Descobrimento do Rush
Por Donna Halper


Um número considerável de pessoas tem me perguntado sobre a história de como encontrei o Rush. Isso é algo sobre o qual não falo frequentemente, visto que possa parecer uma atitude vaidosa ou egocêntrica. Contei a história para dois repórteres e escritores, e uma versão bem condensada surgiu.

Era 1974, e eu estava sozinha em Cleveland. Não pretendo ser dramática – faz parte da história. Estava trabalhando para uma estação de rock, a WMMS-FM, que começava a se tornar o ícone do rock que seria durante muitos anos. Quando fui contratada, acredito que o pessoal da rádio esperava receber uma 'garota hippie', porque era desse jeito que a maioria das mulheres desse contexto se vestia naquela época.

Então, lá estava eu, longe de Boston (onde cresci), numa cidade onde não conhecia ninguém, trabalhando numa rádio onde festas eram muito comuns. Me senti deslocada quase que imediatamente: fui para Cleveland basicamente para tocar rock and roll numa rádio. Não sou festeira por natureza – na verdade sou bem tímida, a menos que esteja trabalhando. Estar no ar nunca me assustou: estar numa sala com pessoas que não conheço e ser esperada para dizer coisas inteligentes ainda me fazem ficar desconfortável. Adicione drogas dentro dessa mistura, e eu estaria REALMENTE desconfortável. Mas lá estava eu, determinada a fazer com que minha passagem pela WMMS fosse positiva. Mas vi claramente que o pessoal me achou bem estranha (uma DJ do rock que ensinava numa escola dominical não era algo normal). Por sorte, ser diretora de música era um trabalho que demandava muito tempo, então estava sempre ocupada ouvindo todos os álbuns que a WMMS me entregava todas as semanas e escolhendo os que poderiam chamar a atenção da galera da rádio.

Sempre me dei bem com produtores de discos, porque amo tocar novas músicas e dar chance a novas bandas. Estava especialmente interessada, por alguma razão, em bandas canadenses. Em Boston, fui a primeira a tocar Bruce Cockburn, Murray McLaughlin e muitos grupos de lá. Como resultado, quando fui para a WMMS, os produtores de discos canadenses continuaram me enviando produtos, na esperança que eu pudesse ouvir algo que fosse gostar (sempre me disseram que eu tinha faro para hits). Um dia, recebi um pacote de Bob Roper, um velho amigo que trabalhou para a A & M do Canadá naquela época. No pacote havia um álbum e um bilhete. O álbum parecia 'fabricado em casa', e o bilhete explicava que se tratava de uma banda local (de Toronto), mas que nenhuma etiqueta canadense – incluindo a dele – teve interesse em assinar pros caras. Em 1974, as rádios de Toronto estavam na fase 'wimpy mellow-jello', e o hard rock quase não era divulgado.

Por causa disso, aquele grupo havia lançado seu próprio disco pela tal Moon Records. Como uma cortesia para Roper, que nunca havia me enviado algo em que não acreditasse de verdade, coloquei o álbum em minha estante de discos giratória. Gostaria muito de dizer que havia ficado impressionada com o disco logo de cara – mas não aconteceu. O single era 'In the Mood', e apenas vi que não seria algo pra tocar em nossa rádio. Porém havia algumas músicas mais longas, e pude perceber que estávamos com um álbum bem rocker nas mãos. Assim, coloquei a agulha numa faixa chamada 'Working Man' e, de repente, entendi porque Roper acreditou que a banda tinha potencial. O vocalista (ainda não sabia os nomes deles) soava para mim, de certa forma, como um clone do Led Zeppelin. Mas a banda tinha uma certa energia que notei que seria perfeita para nossos ouvintes. Quando ouvi a outra faixa, 'Finding My Way', me convenceram de vez. Levei o disco para o andar de baixo (meu arquivo de discos e escritório ficavam no andar superior; os estúdios eram escada abaixo), indo até o programa de Denny Sanders. Denny também tinha um bom ouvido. Pedi para ele ouvir algo – e ele pôs na faixa que lhe mostrei (era 'Working Man') e, em sugestão, ouviu usando headphones. Não levou muito tempo para ter a mesma reação eu tive. Ele perguntou que banda era e de onde eles vinham. Eu disse que não sabia muito sobre eles, só que eram de Toronto. A essa altura, meu amor pela música canadense já era motivo de piada na rádio, mas, nesse caso, Denny concordou 100% que aquele álbum merecia ser tocado NAQUELE EXATO MOMENTO. E ele o tocou. Com isso, posso dizer com certeza que a primeira canção do Rush a ser tocada nos EUA foi de fato 'Working Man', porque eu estava lá, entreguei o disco pro Denny e ele tocou. Quase imediatamente, os telefones berravam com pessoas perguntando quando o novo álbum do Led Zeppelin estaria saindo (que saudades disso). Denny explicou que era uma nova banda canadense, não o Led.

Os fãs de Cleveland estavam investindo pesado em importados nesse período, então quase que imediatamente a pergunta que surgiu era sobre a disponibilidade desse disco. Bom, era começo da noite, e até onde sei, só havia aquela cópia. No dia seguinte, liguei para Bob Roper agradecendo pelo interessante álbum e perguntei como contactar os empresários deles para importar algumas cópias para pôr numa loja de discos em Cleveland. Ele me deu os nomes de Ray Danniels de seu sócio, Vic Wilson, e liguei para eles imediatamente. Para ser honesta, não me recordo com quem falei primeiro, acho que foi com Vic. Mostrar meu interesse aos empresários da banda fez ficá-los totalmente chocados por estarem recebendo uma ligação de uma rádio de rock dos EUA. Eles me disseram que em Toronto ninguém tocaria aquele álbum, e ficaram realmente agradecidos por estarem surgindo em Cleveland. Não tinham ideia de quão popular 'Working Man' se tornaria nos próximos dias; adicionamos na programação 'Finding My Way' e também 'Here Again'. E, sim, 'In the Mood' foi tocada também algumas vezes. Os pedidos continuaram crescendo e de, repente, estávamos recebendo mais pedidos de outras lojas de discos. Pedi a Vic e Ray para me enviar mais algumas cópias do álbum, e eles o fizeram. A grande loja de importados da cidade era a Record Revolution e o gerente, cujo nome era Peter, vendeu as poucas cópias que tinha rapidamente.

Enquanto isso, um promotor de shows que assistiu a playlist da WMMS, Jules Belkin, notou a adição súbita de uma banda que ele nunca tinha ouvido falar, e notou também que houve uma grande reação àquelas músicas. Ele me ligou e me perguntou se eu poderia colocá-lo em contato com os empresários deles e, naquele momento, me tornava o canal que estava colocando a música do Rush nas lojas e agitando a vinda deles para Cleveland, a fim de realizar um show – seria a primeira viagem deles para os Estados Unidos, acredito. A memória pode pregar peças na gente, mas tenho recordações muito claras de minha primeira reunião com a banda. Imediatamente, me sentia como a 'irmã mais velha'. Eram tão jovens – muito novos para o jogo 'rock star'. Quis ter certeza que ninguém tiraria vantagem deles. Fiquei muito impressionada, pois eram pessoas muito agradáveis; havia conhecido vários músicos durante anos (trabalhei na rádio ABC por quase 3 anos, escrevendo especiais sobre música, fazendo entrevistas com os chamados 'grandes nomes'), mas havia algo real sobre aqueles garotos – sem pretextos, sem besteiras, o que você via era o que realmente eram. Geddy ficou surpreso quando mostrei o que a banda já representava quando chegaram pela primeira vez em Cleveland – só por verem sua foto no encarte do disco já o chamavam pelo nome nas ruas. E quando a banda fez o primeiro show em Cleveland, pessoas conheceram várias canções e cantaram junto. Eles estavam muito nervosos e muito desconfortáveis no palco – quem não teria estado – e, num dado momento, me levantei na parte de trás do hall e Vic (que veio com eles na primeira viagem) me disse, "Não se preocupe, nós não a decepcionaremos". E nunca decepcionaram, até hoje.

Rush (já com Neil Peart) e Donna Halper em 1974 nos EUA

Geddy e eu nos tornamos amigos quase que imediatamente. Fiquei surpresa quando descobri que ele era judeu (não conheci muitos vocalistas judeus, acho que só o Kinky Friedman), e ele me contou como ganhou o apelido 'Geddy', explicando que foi por causa do sotaque iídiche de sua mãe quando tentava pronunciar seu nome, Gary (sem falar que compartilhamos o mesmo sobrenome do meio - Lee). Ele me indicou onde encontrar um bom delicatessen judeu da próxima vez que estivesse em Toronto. Falou sobre sua namorada (agora sua esposa), sobre como desapontou seus pais quando decidiu abandonar a escola e como ele e a banda estavam lutando pela aceitação e reconhecimento em sua cidade natal. Pela primeira vez, desde que cheguei a Cleveland, me senti como se tivesse feito um amigo e ficava feliz, pois podia ajudar a tornar o sonho de Geddy realidade. Sempre amei trabalhar com música, até mesmo quando não encontrava uma banda cujo disco se tornaria um sucesso. Mas agora me sentia como se realmente fizesse parte de algo. Geddy não se preocupou por eu não me dar bem com o resto do pessoal na rádio, não se preocupou por eu não ser dada a drogas e até mesmo a bebidas. Ao contrário, ele parecia estar gradualmente se afastando das bebedeiras e das festas em direção ao casamento, procurando uma estabilidade trabalhando com a banda – e a chance de arrebentar nos Estados Unidos era o que poderia fazer o Rush estourar nas rádios canadenses. Até então, os jovens não chamavam muita atenção no seu país, forçando muitos desses músicos a terem que se mudar para os Estados Unidos a fim de adquirem reconhecimento (Neil Young, Joni Mitchell, etc). Quando fizeram isso nos EUA, ironicamente, foram rapidamente considerados 'aprovados'. Certo ou errado, as rádios dos EUA estavam dando a credibilidade que o Rush precisava.

De repente, eles não eram mais uma banda de bar de Toronto somente.

A capa do relançamento pela Mercury
Quando as lojas de discos pararam de ligar, as gravadoras começaram. Muitas grandes etiquetas como a Columbia estavam interessadas, e várias outras menores, como a Mercury, também. Eles me viam como uma grande influência para banda (eu me via como mais do que uma amiga e, como eu disse, era como se eu fosse uma irmã mais velha), tentando me persuadir a influenciá-los sobre as etiquetas. Por fim, falei bem em nome da Mercury Records, uma gravadora que teve interesse em desenvolvê-los, garantindo não deixar serem perdidos. O cabeça da promoção era Cliff Burnstein, e ele me prometeu que dedicaria quantias grandes de tempo e energia para o Rush se eles assinassem. A Mercury já tinha o Bachman-Turner Overdrive e precisavam de outra banda de rock. No final das contas, Vic e Ray terminaram a sociedade e o Rush tinha uma outra etiqueta. O tempo foi essencial para a gravadora e eles não queriam perder qualquer impulso, decidindo relançar o álbum da Moon – as únicas diferenças eram que o logo da Moon aparecia na cor vermelha, enquanto a capa da Mercury foi feita numa cor estranha, meio magenta... e a outra era que a banda decidiu dedicar a edição americana a mim, por ter dado o 'pontapé inicial'. Nunca tinha tido um álbum dedicado a mim – pessoas geralmente me perguntam se eu consegui dinheiro por minha descoberta (uma taxa de descobridor, talvez?), mas o que adquiri, em minha opinião, foi muito mais importante, uma amizade que se sustenta durante anos.

A história do porque John Rutsey deixou a banda foi contada em muitas versões, mas basta dizer que sua saúde foi o grande pivô disso. A banda testou muitos bateristas, e ouvi dizer que eles escolheram Neil Peart porque perceberam que o estilo dele era mais britânico (tipo Keith Moon), sendo muito criativo, além de saberem também que gostava de escrever letras. Só que na segunda vez que a banda veio para Cleveland houve um pequeno drama bem interessante. Geddy, Alex e eu já éramos amigos; Neil me parecia um pouco retraído, quase rude. Ele parecia estar desconfiado da minha relação com os outros dois. Descobri então que, por alguma razão, Geddy se sentia intimidado com Neil – de certo modo, estava convencido que Neil era mais inteligente e mais articulado. Lembrei a Geddy que Neil também não tinha terminado os estudos, e decidi tentar conhecer melhor o jovem baterista, de forma que pudesse ajudá-los a se comunicarem melhor. Estaria mentindo se eu dissesse a vocês que eu os uni como amigos – o tempo e eles mesmos se acostumando com o estilo um do outro fizeram tudo por si só. Certa vez convidei Neil para meu apartamento e conversamos durante horas; entre os assuntos, mencionei que Geddy e eu notamos que ele parecia ter um desprezo muito grande por ALGUMA COISA – e esperávamos que não fosse por um de nós... Ali pude perceber que Neil tinha apenas uma característica básica de precisar de tempo para conseguir conhecer as pessoas, e tem que acontecer quando ELE estiver pronto.

Fiquei alegre por Neil ter aceitado o convite, e ele mostrou que poderia ser muito agradável. Ele é muito leal. Quando percebeu o que eu tinha feito pela banda, decididamente percebeu que minhas intenções eram boas e, desde esse dia, quando os encontro, ele é sempre cordial. Quando levei minha enteada nos bastidores certa vez, ele não poderia ter sido mais agradável a ela. Ele me deu um abraço e conversou com a menina durante uns dez minutos. Ela nunca esqueceu isso. Confesso que não concordo com algumas atitudes dele com relação às mulheres – percebo que ele acha que os homens são definitivamente superiores – mas sempre me tratou com respeito, e sempre o tratei da mesma maneira. Isso provavelmente deverá parecer clichê, mas, nesse caso, todos nós trabalhamos isso, todos nós aprendemos a nos relacionar bem um com o outro, apesar das nossas diferenças de personalidade. Geddy aprendeu que poderia olhar de igual pra igual para Neil. Neil aprendeu que às vezes parece mais abrasivo do que ele pensa. E eu tive o privilégio de assistir todo esse desdobramento, apenas facilitando as coisas. Adquiri mais uma menção dentro do encarte do segundo álbum do Rush (Fly By Night), um disco com canções que mostraram imediatamente o impacto de Neil na banda. E ainda, para mim, Neil foi o próximo passo para o crescimento do Rush. Geddy e Alex não tinham nenhuma intenção de ser apenas uma banda de bar de Toronto. Ambos gostam de compor, ambos tinham muitas ideias para canções, e eles quiseram Neil na banda pelo que ele tinha a oferecer.

Foi muito bom poder ouvir um pouco do novo material sendo tocado ao vivo pela primeira vez. Era ótimo, pois qualquer hora que quisesse entrava nos bastidores. Eu vi o Kiss sem a maquiagem (a banda esteve presente na Kiss Tour várias vezes). Vi o show onde o ZZ Top ficou irritado com as recepções entusiasmadas que o Rush vinha recebendo mesmo sendo banda de abertura, e também a ocasião quando o trio tentou fazer um bis e o pessoal do ZZ Top desconectou seus amplificadores... Conheci o Howard 'Herns' Ungerlieder, e todo o resto da maravilhosa galera de estrada do Rush. Vi a banda se tornar famosa e, mesmo assim, nunca mudaram muito dos caras que estavam apenas no começo em 1974. Sim, eles agora são mais polidos.

Geddy não se preocupa muito – a inspiração para a canção 'I Think I'm Going Bald' foi que, às vezes, ele se preocupava tanto que seu cabelo caia aos montes (alopecia). Como o tempo passou e a fama deles se esparramou de Cleveland para outras cidades, Geddy já não tinha tanto com que se preocupar...

De forma que é a minha história e estou fincando isso. Graças ao Rush, pude escapar de Cleveland – a Mercury Records viu que se eu pude encontrar uma excelente banda, talvez pudesse descobrir outras, e me tornei a primeira mulher Diretora de Artistas e Repertório da história, trabalhando bem próximo ao escritório deles. Ganhei viagens livres para o Canadá, passeios de limousine e muitos almoços e jantares grátis. Nunca encontrei um outro 'Rush' – como poderia haver outro Rush? – e, no fim das contas, a Mercury fechou o escritório de Nova York. Foi divertido enquanto durou, e acabei voltando para a rádio.

Como terminar esta história? Bem, realmente não tem nenhum fim. Hoje em dia, embora não tenhamos tanto contato como antes, tenho certeza que posso ir aos bastidores, pois vou encontrar os mesmos caras de antigamente. Talvez seja porque me sinto muito afortunada por ter sido uma pequena parte da história de sucesso deles. Tenho vários álbuns de ouro deles pendurados na minha parede e tenho também minhas recordações de um tempo que ninguém acreditava no Rush, quando ninguém conhecia o potencial que tinham, exceto Bob Roper e eu. É estranho que, quando você menos espera, coisas podem mudar de forma tão dramática. Depois de descobrir o Rush também tive certo nível de popularidade, embora tudo que realmente tenha feito foi acreditar neles e fazer algumas ligações para amigos da indústria da música. Isso só mostra que a determinação de uma única pessoa PODE fazer a diferença. Não volto a Cleveland há muito tempo (passo no aeroporto da cidade várias vezes, sempre indo para outro lugar), mas ainda me lembro de todos os locais que o Rush tocou, ainda vejo Geddy e eu sentados até tarde conversando sobre rádio, ouço ainda Vic e Ray me falando que o Rush jamais me decepcionaria, que minha fé neles não seria em vão. Talvez estava no lugar certo no momento certo, e me senti bem em ver seus discos se tornando sucessos, sabendo que fui a primeira a apresentá-los ao público americano...

Espero que isso não tenha sido maçante para vocês. Para esses que me escreveram e me pediram para que falasse sobre isso, obrigado por me darem a oportunidade de voltar num tempo e num lugar que mudou a vida de todos nós... Cleveland em 1974...

Em 1980, depois do programa dirigido em Nova York, Washington, e é claro, Cleveland, acabei voltando para Boston, onde trabalhei como consultora de rádios, historiadora da radiodifusão e instrutora em várias universidades.